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Read Ebook: As Farpas: Chronica Mensal da Politica das Letras e dos Costumes (1878-02/05) by Ortig O Ramalho Editor Queir S E A De Editor

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Ebook has 162 lines and 20581 words, and 4 pages

RAMALHO ORTIG?O--E?A DE QUEIROZ

AS FARPAS

CHRONICA MENSAL

DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES

TERCEIRA SERIE TOMO II Fevereiro a Maio 1878

Ironia, verdadeira liberdade! ?s tu que me livras da ambi??o do poder, da escravid?o dos partidos, da venera??o da rotina, do pedantismo das sciencias, da admira??o das grandes personagens, das mystifica??es da politica, do fanatismo dos reformadores, da supersti??o d'este grande universo, e da adora??o de mim mesmo.

P.J. PROUDHON

SUMMARIO

T?dos os crimes, quaesquer que elles sejam, podem ser considerados como pertencendo a duas classes distinctas:

Emquanto as sociedades se n?o acham constituidas segundo o direito absoluto fundado em principios claramente definidos de moral positiva, isto ?, emquanto as sociedades n?o attingem um desenvolvimento intellectual que lhes permitta conhecer todas as leis da sua organisa??o, distinguindo o que n'ellas ? difinitivo e organico do que ? convencional e contingente,--n'essas sociedades n?o podem dar-se sen?o os crimes da segunda d'aquellas classes. ? assim que vemos nas civilisa??es antigas e hoje entre os selvagens serem considerados crimes ou deixarem de o ser, segundo os regulamentos especiaes das communidades, o roubo, a polygamia, o incesto, o homicidio, etc.

Nas sociedades que attingiram a edade consciente, que entr?ram no periodo scientifico da sua evolu??o moral, como presentemente succede em toda a Europa, o incesto, a polygamia, o homicidio, o roubo, etc., tom?ram o caracter dos crimes incluidos na primeira das classes a que nos referimos, porque se comprehendeu que elles n?o violam unicamente um regulamento local e arbitrario, mas que ferem a sociedade nos centros da vida, dissolvendo no seu nucleo a aggrega??o que constitue o grande ser collectivo.

A sabedoria da legisla??o penal manifesta-se na mais justa e perfeita demarca??o dos limites que separam essas duas ordens de crimes.

Quanto mais uma sociedade progride tanto mais ella estreita os meios repressivos da infrac??o das suas leis organicas, e tanto mais afrouxa a puni??o imposta ? contraven??o dos seus estatutos regulamentares, distinguindo gradua??es na culpa segundo a importancia dos interesses feridos pela perpetra??o do delicto.

? em virtude d'este criterio que s?o punidos com severidade, unanimemente exigida pela opini?o, os attentados contra o interesse do commercio e contra o interesse da industria, porque estes dois interesses s?o considerados os mais importantes das sociedades modernas; ao passo que raramente deixam de ser amnistiados os crimes politicos, pela raz?o de que os governos se julgam impotentes para vibrarem arbitrariamente um castigo que nenhum interesse reclama e que por conseguinte a civilisa??o rejeita como um acto de prepotencia e de vingan?a.

Os antigos attentados nefandos contra os poderes constituidos e contra a forma do governo, chamados temerosamente de lesa-magestade, deixaram ha muito de ser espiados na guilhotina e na forca, contentando-se os politicos em fulminal-os com a critica de Talleyrand: <>

Posto isto, vejamos qual ? o estado da mentalidade portugueza afferido pelo criterio que ella applica ao julgamento dos crimes e ?s respectivas sanc??es penaes.

Deram-se ultimamente dois casos profundamente caracteristicos: o caso de Joanna Pereira e o caso do parocho de Travanca de Lagos.

No caso de Joanna Pereira vemos tres r?os confessos e convictos de tres crimes: Joanna, de adulterio; Carlos, de tentativa contra o pudor por meio da chlorophormisa??o; o carroceiro, da remo??o de um cadaver; todos tres cumplices e conniventes no crime de cada um.

Como procede a sociedade? N?o tomando conhecimento de nenhum d'estes attentados e despedindo os reos em paz!

No caso do parocho de Travanca de Lagos, o reo ? accusado de ter falsificado uma certid?o de edade para o fim de salvar um mancebo do recrutamento militar. Como precede a sociadade? Condemnando o parocho a oito annos de degredo para a costa ds Africa!

O primeiro caso ? um triplice attentado contra a ordem social. A sociedade n?o s? o n?o pune mas nem sequer o julga.

O segundo ? uma contraven??o de um regulamento administrativo. A sociedade n?o s? o julga mas pune-o com uma das maximas penas do codigo.

N?o analysamos o procedimento havido com Joanna Pereira e os seus co-reos. Pomol-o simplesmente em parallelo com o procedimento havido com o parocho de Travanca de Lagos, e dizemos que a condemna??o d'este ? uma iniquiedade monstruosa.

O crime do que ? accusado o padre, condemnado por havel-o commettido a oito annos de degredo, ? crime unicamente perante a letra de um regulamento de caracter n?o s? transitorio mas arbitrario--o regulamento do servi?o militar.

O parocho foi condemnado por tentar salvar do servi?o um recruta. Alterar um numero, escrever um algarismo por outro, s? p?de involver inten??o criminosa quando d'esse acto proceda uma offensa de interesses. Viciar a data de uma letra ou de um contrato ? indubitavelmente um grave crime, porque offende o interesse do commercio, ou o da industria, ou o da propriedade. Mas alterar a data de uma certid?o de baptismo, para o facto de isemptar do servi?o militar um cidad?o, n?o ? offender um interesse social; ? o contrario d'isso: ? servir o interesse que todas as sociedades teem em que deixe de haver militares.

O crime, no estado de pura tentativa, pelo qual o padre foi julgado o punido com degredo de oito annos, se se chegasse a realisar e se estendesse do caso particular de uma freguezia do reino a todos os casos analogos na Europa inteira, seria o mais assignalado dos beneficios ? civilisa??o e ? humanidade. Daria em resultado a elimina??o do militarismo e da guerra.

Os crimes pelos quaes Joanna Pereira e os seus collaboradores n?o foram punidos nem julgados, se se estendessem da casa da travessa da Oliveira ao resto da sociedade, dariam os seguintes effeitos:

Os cadavares seriam propriedade dos carroceiros, o que acabaria, de uma vez para sempre, com o uso dos cemiterios e com a pratica de enterrar os mortos.

Finalmente, para o facto da selec??o da especie, os maridos seriam substituidos pelos mestres de piano dados ao abuso das bebidas alcoolicas--o que tornaria o casamento inutil e a familia impossivel, convertendo aos pianos, refor?ados pela aguardente, nos unicos instrumentos da perpetuidade da ra?a.

Expondo simplesmente os dois casos referidos e o modo como a sociedade os resolveu, achamos inutil accrescentar commentarios, e fazemos unicamente ? sociedade os nossos cumprimentos.

Por occasi?o de se discutir no parlamento a reforma da instruc??o primaria o digno par sr. Vaz Preto Geraldes votou contra a adop??o da gymnastica nas escolas de raparigas, enunciando a opini?o de que a gymnastica tinha um caracter immoral.

S. ex.? parece receiar que uma vez introduzida a gymnastica nos costumes do sexo feminino, as senhoras portuguezas comecem a estar nos bailes com pesos suspensos da bocca e a passearem no Chiado apoiadas sobre as m?os e de pernas para o ar. Isto effectivamente n?o seria bem visto. E comprehendemos que s. ex.? sinta uma certa por??o de rubor pensando que ao dirigir n'um sal?o as suas homenagens a uma dama esta poder? vir um dia a retribuir os cumprimentos de s. ex.? aferrando-o pelos rins e obrigando-o a revirar duas vezes as pernas por cima da cabe?a no espa?o que medeia entre o tapete e o lustre.

Um illustre medico allem?o, o doutor Schreber, director do instituto orthopedico de Leipzig, e como tal perito no estudo das deforma??es do nosso esqueleto, affirma que grande parte das vicia??es na configura??o dos ossos da bacia, vicia??es que inhabilitam muitas mulheres de serem m?es, proveem dos habitos sedentarios que as raparigas contraem na escola e que s? podem ser corrigidos na infancia pelos exercicios racionaes da gymnastica. Ora quer-nos parecer que qualquer mulher poder? chegar a ter bem conformados os ossos da bacia sem o sr. Vaz Preto correr um risco eminente de que essa mulher tome a bocca do estomago de s. ex.? para alvo das suas predilec??es pelo pugilato athletico.

O mesmo doutor Schreber assevera que ? indispensavel introduzir o uso da gymnastica nas aulas do sexo feminino se se quizer evitar que muitas mulheres pade?am um desvio pathologico da columna vertebral extremamente frequente e resultante da posi??o for?ada em que as raparigas se conservam durante as horas do trabalho nas escolas. Repugna-nos acreditar que o sexo feminino, que se destina a fazer a prancha em sociedade tomando para ponto de apoio o ventre do sr. Vaz Preto, esteja ? espera de que lhe endireitem a espinha para passar immediatamente depois a operar sobre a regi?o abdominal de s. ex.? as experiencias dynamometricas, cuja perspectiva lan?a no animo pudibundo do digno procere um t?o ligitimo horror.

A physiologia moderna tem mostrado que a saude n?o ? mais que o justo e perfeito equilibrio das differentes for?as inherentes ao nosso organismo. A hygiene tem provado com muitas observa??es e fundada nas mais repetidas experiencias que o excercicio regular e methodico de todos os nossos membros e de todos os nossos org?os ? o unico meio de manter o equilibrio a que acima nos referimos. A systematisa??o d'esse exercicio regular e methodico chama-se gymnastica.

Da saude do corpo precede solidariamente a saude do espirito. Sabe-se hoje que todo o acto intellectual depende de uma dada circula??o do sangue atravez da rede dos nervos encephalicos.

Os medicos alienistas e todos os que teem estudado attentamente os phenomenos mentaes attestam que a estupidez, o talento, o genio, a loucura s?o outros tantos resultados do modo como o sangue circula, com mais ou menos vivacidade, mais ou menos abundantemente, no cerebro. Um apparelho do doutor Mosso, intitulado o plethysmographo, apparelho de que a psychologia experimental tem tirado as mais importantes revela??es, demonstra que existem estreitas e precisas rela??es de causa para effeito entre as varia??es da circula??o e os differentes graus de actividade cerebral. A aboli??o da memoria, a pervers?o das sensa??es, todos os casos de nevropathia cerebral s?o resultantes de uma falta de cadencia na vibra??o dos centros sensitivos causada por um embara?o da circula??o sanguinea no encephalo. Na Italia est?o-se curando as aliena??es mentaes pela transfus?o do sangue. O medico Ponza, do Grande Hospital, e o doutor Rodolfi, do asylso de Brescia, relatam muitos casos de cura de alienados pela transfus?o hypodermica.

Pois bem: o meio efficaz de que a hygiene disp?e para activar e regularisar a circula??o, de tanta importancia para a actividade central, ? a gymnastica.

O celebre hygienista Lacassagne diz: <>

Ha estados morbidos cuja localisa??o no organismo escapa muitas vezes ? indaga??o e ? sagacidade dos clinicos. Est?-se doente sem haver apparentemente perturba??o alguma nas func??es physiologcas. O symptoma, frequentemente despercebido, d'esse deperecimento vital consiste na diminui??o do noso peso com rela??o ? unidade do nosso volume. A mais segura medida da saude ? a densidade do corpo. Ha algum regimen proprio para tornar mais denso o corpo humano? Ha. ? o regimen da gymnastica. O doutor Burq, seguindo durante seis mezes os exercicios da escola de gymnastica militar da Faisanderie, em Fran?a, constatou, pelas observa??es feitas dia a dia sobre os alumnos, que a gymnastica tem por effeito augmentar o peso e diminuir o volume, isto ? acrescentar a densidade de 6 at? 15% dentro dos primeiros tres ou quatro mezes de exercicio.

Em um paiz onde a tisica faz t?o grande numero de victimas como em Portugal, ? util accrescentar ainda que uma das propriedades da gymnastica ? desenvolver a caixa toraxica e augmentar de 1/6 pela media a capacidade pulmonar, como foi verificado no dynamometro pelo mesmo doutor Burq.

A for?a muscular augmenta, como a capacidade pulmonar e como a densidade, n'uma propor??o de 15% nos quatro primeiros mezes dos exercicios gymnasticos.

A hygiene de musculatura ? um facto de primeira importancia para a saude desde que pelas experiencias de Claude Bernard sobre as propriedades dos tecidos vivos se reconheccu que a s?de principal da combust?o respiratoria ? o musculo. Os differentes estados do musculo influem directamente na composi??o do sangue. O exercicio ? portanto um poderoso modificador do sangue e como tal act?a em todas as for?as do nosso organismo. Mas n?o ha sen?o uma especie de exercicio com propriedades hygienicas e therapeuticas: esse exercicio ? a gymnastica.

Pedimos ao sr. Manuel Vaz Preto que nos fa?a o obsequio de considerar que s? ? um agente da saude o exercicio geral, regular e methodico, que constitue a gymnastica dos movimentos, chamada a gymnastica allem?. O doutor Sebreber demonstra que a unica occupa??o que sujeita quem a exerce a um exercicio inteiramente harmonico, ? a occupa??o da jardinagem. Todo aquelle que n?o for jardineiro tem de appellar para um methodo especial de movimentos artificiaes que ponham no devido equilibrio as acquisi??es e os dispendios de cada um dos seus org?os.

Taes s?o, resumidamente expostas, algumas das raz?es que militam em favor da gymnastica. Em contraposi??o a estes argumentos n?o sabemos sen?o de um: o pejo do sr. Vaz Preto. Dirigimos a s.ex.? os nossos rogos mais fervorosos para que s.ex.? n?o core diante da gymnastica, impedindo assim o paiz de p?r em pratica o melhor meio de regenerar a sua constitui??o atrophiada, de endireirar a espinha, de desenvolver os ossos, de activar as faculdades intellectuaes, de enriquecer o sangue, de reagir contra a hypocondria e contra a pregui?a, contra a atonia dos nervos e dos musculos, contra a anemia, contra a chlorose, contra a gotta, contra as affec??es pulmonares, contra as escrophulas, contra a obesidade e contra a idiotismo.

Muitos dignos pares, em cujo numero pedimos licen?a para incluir o mesmo sr. Vaz Preto, est?o contaminados por enfermidades que a gynmastica previne e corrige. De modo que uma boa administra??o pedia que gymnastica n?o s? fosse decretada para as escolas mas tambem para as duas casas do parlamento.

Nas escolas americanas, em muitas escolas inglezas, allem?s, suecas, os exercicios intellectuaes interrompem-se umas poucas de vezes por dia para darem logar aos movimentos gymnasticos executados em commum por todos os alumnos. Uma recente estatistica, feita na Inglaterra, prova quanto estes exercicios s?o uteis n?o s? ao desenvolvimento physico mas ao desenvolvimento intellectual, mostrando-nos que nas escolas em que se introduziu a gymnastica os alumnos aprendem mais e em menos tempo do que n'aquellas em que a gymnastica n?o existe.

Na reforma da camara dos dignos pares, ultimamente convertida em lei, esqueceu uma disposi??o--precisamente a unica que teria alcance--um artigo que obrigasse ss.ex.'as a interromperem, por duas ou tres vezes em cada sess?o, as suas locubra??es legislativas, para fazerem gymnastica ao som de um org?o, como nas escolas americanas.

Voltar vigorosamente a cabe?a para a direita e para a esquerda ; fazer girar o pesco?o, na sua maxima flex?o, sobre o peito e sobre as espaduas ; subir e descer energicamente os hombros ; fazer o movimento de quem mede bra?as ; tomar fortes e profundas aspira??es de ar . Depois do qu?, s.ex.? reporia a sua gravata, abeooaria os seus suspensorios e recome?aria a meditar sobre a felicidade da patria.

Massagens no abdomen : acocorar-se ; dobrar e tronco rotatoriamente sobre o estomago, sobre os quadris e sobre o rim ; levantar cada uma das pernas para diante e para traz at? o limite da sua elasticidade ; fazer o movimento analogo ao de quem racha lenha ; trotar no mesmo terreno . Depois do qu?, s. ex.? revestiria amea?adoramente as suas cal?as e continuaria a demolir com a sua facundia a politica do gabinete.

Se por?m a todas estas considera??es for insensivel o sr. Vaz Preto, n'esse caso a sciencia, continuando a affirmar a importancia social da gymnastica, tem de usar com o pudor de s. ex.? um expediente extremo: Velar-lhe a face!

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