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Read Ebook: As Farpas: Chronica Mensal da Politica das Letras e dos Costumes (1878-02/05) by Ortig O Ramalho Editor Queir S E A De Editor

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Ebook has 162 lines and 20581 words, and 4 pages

Se por?m a todas estas considera??es for insensivel o sr. Vaz Preto, n'esse caso a sciencia, continuando a affirmar a importancia social da gymnastica, tem de usar com o pudor de s. ex.? um expediente extremo: Velar-lhe a face!

Pois qu?! A agua de Lourdes ao p? da bica, na propria gruta, por conta e na presen?a da santa, n?o ha de dar mais effeitos no consumidor do que a agua de Lourdes exportada, expedida ao extrangeiro em vasilhas quantas vezes impuras, quantas vezes com m?s rolhas?!

N?o vimos n?s ahi, ha dois annos, na Santa Casa da Misericordia, uma enferma paralytica, a qual desfechou a andar com a mesma facilidade com que anda a roda da mesma Santa Casa logo quo lhe chapinharam os membroa locomotores com agua das latas?!

E a pobresinha de Christo desencaminhada pela sr.? condessa do Sarmento para se metter ?s estradas e para ir por ahi f?ra em bra?os at? Lourdes, chega l? e n?o obtem mais nada sen?o o que obteve a outra sem sair do largo de S. Roque?

Outro tanto temos que dizer do cego. Unicamente para ver pelos olhos lesos, sem ir mais longe, tinha ahi o sr. Mascar? que lhe fazia o milagre no olho de cada lado n'um abrir e fechar do olho do lado opposto. Em Lourdes seria preciso, para sustentar os creditos da agua na sua devida altura, que o homem n?o s? principiasse a ver pelos olhos mas que visse tambem por outros membros.

Isso, sim senhor, isso seria um soffrivel milagre, ainda que de segunda ordem, porque os ha muitos maiores.

Da virtude dos escapularios, por exemplo, contam-se e authenticam-se coisas ao p? das quaes tudo quanto a agua de Lourdes tem feito ? zero.

Pessoas que caem do alto de enormes torres ficam intactas: nem um bot?o dos suspensorios lhes rebenta, e se estavam lendo o seu jornal no alto das torres, como algumas vezes succede, veem lendo n'elle pelo ar emquanto caem e contin?am a leitura em baixo, tra?ando a perna n'um estado do satisfa??o ineffavel.

O sr. A. de L ..., tendo entrado na insurrei??o do Var, com um escapulario ao pesco?o, recebe vinte e nove tiros, apparecem-lhe no fato os vinte e nove furos das vinte e nove balas: elle no entanto fica illeso. <> disse por essa occasi?o um gendarme.

No auge de um pavoroso incendio um devoto lembra-se de lan?ar ao meio das chammas o seu escapulario; o incendio immediatamente se extinguiu e o escapulario encontrou-se intacto. <>

Um soldado na batalha de Novara v? cair em torno d'elle todo o regimento, elle ? o unico ser que sobrevive: examina-se o soldado e acha-se-lhe um escapulario mettido na bocca e um em cada bra?o.

Um desgra?ado, querendo suicidar-se, lan?a-se ao mar quatro vezes consecutivas, sempre debalde: o mar arroja-o ? praia, recusando-se obstinadamente a submergil-o. O desgra?ado recorda-se ent?o que traz ao pesco?o um escapulario, e atira-se ao mar pela quinta vez, tendo deixado o escapulario em terra. Foi s?mente com esta condi??o que o mar se resolveu a dar cabo d'elle.

Al?m de livrar de todos os perigos, sem excep??o, durante a vida, o escapulario livra completamente das penas eternas depois da morte.

O escapulario do Monte Carmello tem a propriedade especial de expedir para o ceo o penitente, quaesquer que tenham sido os peccados por elle perpetrados, no primeiro sabbado seguinte ao da sua morte. Facinora que arranje a morrer com o escapulario na sexta feira ? meia noite, podem os facinoras seus companheiros esperal-o no purgatorio, que o h?o de ver por um oculo!

P?r o padre cego a ver e p?r a paralytica a andar n?o passa de uma habilidadesita mediocre, um bocadito de geito!

Vir ? feira unicamente com uma porcaria d'essas parece mesmo de proposito para fazer perder ? gente o gosto pelas devo??es ...

Ha dois mezes que os periodicos annunciam quasi quotidianamente os casos de espancamento, de ferimentos e de roubos commettidos em Lisboa e seu termo. De quando em quando a policia, para o fim de dar uma especie de satisfa??o ? sociedade pela frequencia de tantos crimes, prende um fadista. O que temos que perguntar ?: Porque se n?o prendem os fadistas todos?

Ser fadista quer dizer: ser um criminoso tolerado, agremiado civilmente, constituindo uma classe. Pela sua genealogia social o fadista descende dos antigos espadachins plebeus que conquistavam, por meio de exame feito em valentia, o direito de cingirem a espada e de acompanharem com fidalgos bulhentos e tranca-ruas. No seculo passado existia ainda em toda a sua pureza esta ra?a de bravos de viella, sem officio nem beneficio, vivendo das esportulas da nobreza, apadrinhados por ella, frecheiros com as mulheres, soberb?es e insolentes com os mesteiraes e com os mercadores, cobrindo as costas aos fidalgos nas excurs?es nocturnas em que estes se divertiam espancando os transeuntes, escalando os muros dos quintaes e dos conventos, desarmando as rondas e a?oitando os corregedores e os esbirros ao fundo dos becos tenebrosos e adormecidos.

Entre os alludidos fidalgos figurava como gr?o-mestre da ordem, como capit?o da ala o serenissimo senhor infante D. Francisco, preclaro irm?o do senhor rei D. Jo?o V, que Deus tenha em sua santa guarda. D'esse interessantissimo principe, cujas tropelias cre?ram, durante um seculo, em volta das suas terras do Infantado, em Queluz, uma legenda de terror, conta-se este bello feito historico, que basta para mostrar o genero dos divertimentos da sua roda: Vendo o augusto principe nas vergas de um navio um marinheiro que o saudava, quiz o infante experimentar, por ser mui curioso de balistica, se do logar onde estava poderia alcan?ar com um tiro aquelle homem que lhe fazia continencia meneando alegremente o seu gorro. Fazendo em seguida a mais cuidadosa pontaria, e desfechando sobre o alvo, teve sua alteza o summo gosto de ver que o marinheiro se despeg?ra da verga, que dob?ra no ar por entre as enxarceas e ca?ra por fim estatalado no convez varado pela bala da serenissima escopeta. Com o que o sr. infante houve um accesso de jubilo, como nunca se lhe vira, e que sua alteza houve por bem desafogar batendo as palmas e dando muitos uivos e pinchos, inequivocos signaes de uma illimitada alegria. Mais tarde, com a illumina??o de Lisboa, devida ao intendente Pina Manique, e com a crea??o da policia moderna, cessaram os recontros, as arrua?as, os combates nocturnos da fidalguia com a villanagem lisboeta. Pela raz?o biologica de que toda a for?a organica que se n?o exerce se elimina, o antigo valent?o plebeu deixou de ter valor mas continuou a conservar o espirito da fa?anha, da aventura, do amor illicito, da tavolagem e da vadiice, e tomou ent?o o nome de--fadista.

De resto o fadista n?o tem vislumbres de senso moral. Explica os seus meios de vida pelo premio tirado na cautela de pataco que lhe foi vista na algibeira cebosa do collete. Na batota concilia-se com o furto e com o roubo; na esquadra da policia concilia-se com a mentira; nas suas convivencias do bordel concilia-se com a infamia; e as condi??es especiaes em que ama e ? amado acabam por dissolver n'elle os ultimos restos d'essa dignidade animal, para assim dizer anatomica, commum a todos os machos.

? da classe dos fadistas que saem para os tribunaes e para as cadeias os incorrigiveis da criminalidade.

A proposito do direito de punir e do modo de applicar a pena dizia recentemente ainda um escriptor inglez, fundado nas informa??es de um inspector de cadeias, que todos os criminosos presos se podiam dividir em tres cathegorias. A primeira cathegoria ? composta de individuos que verdadeiramente n?o deveriam ter entrado nunca na pris?o. S?o lan?ados nas garras da lei por um accidente exterior ou por uma fraqueza de juizo ou de caracter, a qual n?o obsta a que elles tenham uma moralidade t?o s? como a de qualquer de n?s. ? segunda cathegoria pertencem individuos, mais numerosos que os primeiros, sem violentas tendencias moraes ou immoraes, susceptiveis de serem dirigidos pelas circumstancias e de se tornarem bons ou maus segundo a direc??o que recebam. A terceira cathegoria, de um numero de condemnados felizmente restricto, ? rebelde a toda a disciplina, insensivel a toda a bondade, surda a todos os conselhos. Para estes a cadeia ? um logar improrio; seria preciso confinal-os em uma ilha deserta, onde o contagio mortal do seu exemplo n?o fizesse novas victimas. Segundo o alludido inspector das cadeias inglezas, que tinha viajado muito e estudado attentamente todos os grandes estabelecimetos penitenciarios do mundo, o Estado n?o teria sen?o proveito que tirar da maior somma de liberdade concedida aos presos da primeira d'essas cathegorias; aos presos da segunda classe conviria principalmente dar instrac??o; emquanto aos terceiros o melhor expediente seria a morte.

? util reflectir n'estas palavras e considerar uma coisa:

? ou n?o ? da classe chamada fadista que procede a maxima parte dos criminosos que passam annualmente pelo banco da Boa Hora, e cuja incorrigibilidade ? em muitos d'elles attestada por varios julgamentos repetidos?

A historia do foro lisbonense nos ultimos tempos responde:

N'este caso pergunta-se:

P?de a sociedade, sem incorrer em uma responsabilidade tremenda, continuar a manter pelo desleixo, a existencia legalmente tolerada de uma cathegoria de individuos que ha tres seculos pervertem profundamente os nossos costumes populares, e de cujo gremio saem os criminosos que a justi?a mais difficilmente corrige e mais raramente regenera?

N?o. Uma similhante tolerancia representa o mais grave dos attentados de que o Estado ? cumplice perante a ordem moral. Porque, se a sociedade ? irresponsavel da perversidade individual, n?o succede o mesmo, e a sociedade deixa de poder ser absolvida, logo que ? ella que sustenta, ao abrigo das leis, a concordancia de todas as causas conhecidas e manifestas que produzem fatalmente um determinado numero de perversos.

Dado o fadista, a sociedade n?o p?de certamente evitar o criminoso. A sociedade por?m p?de evitar o fadista. Do que modo? Procedendo a um inquerito rigoroso sobre a vadiagem e supprimindo, quanto antes, a institui??o concomitante que a justifica e a consagra:--a loteria.

Desde que um cidad?o deixe de poder explicar unicamente pelos supprimentos do jogo a posse legitima dos seus meios de subsistencia, o Estado tem o dever de o prender, n?o para encarcerar mas para coagir ao trabalho, matriculando-o em qualquer das officinas do governo: na cordoaria, na fabrica de polvora, no arsenal, na imprensa, etc.

O mais perigoso de todos os animaes vadios ? o homem. Comparado com elle o c?o, ainda quando damnado, p?de-se considerar inoffensivo. E todavia a policia, que tem para o c?o que ainda se n?o damnou as precau??es da rede e da carro?a, n?o tem para o vadio, em pleno exercicio do seu contagio, sen?o um expediente repressivo: o de lhe archivar a photographia no commisariado geral.

Quer a policia um bom conselho, que resume tudo? Inverta os seus meios de garantir a seguran?a publica: tire o retrato aos c?es e deite a rede aos fadistas.

Repentinamente, inesperadamente, sem ninguem saber porque, no principio do mez passado, os poetas portuguezes dividiram-se em duas legi?es contrarias, arroj?ram-se encarni?adamente uns sobre os outros, esmurr?ram-se, esguedelh?ram-se, cuspiram-se na face em odes, a?oit?ram-se medonhamente nas carnes a golpes de alexandrinos, e viram-se de parte a parte nodoas negras da pancadaria nas regi?es lombares das musas.

Os da Id?a Velha dizem que n?o ha nada como a id?a d'elles. E fundam-se para isto em que ? uma id?a solida, experimentada, garantida.

O primeiro grande e inspirado poeta de segunda ordem que a manejou encontrou-a estirada ao comprido no seu caminho ha cerca de quarenta annos.

Nos ultimos annos a Id?a Velha desapparecera do bulicio do seculo e da communica??o das gentes. Julgavam-a uns no Asylo, outros no Aljube. Algumas pessoas devotas tinham-lhe j? resado por alma. Soube-se agora, com grande satisfa??o dos que a conheceram no galarim, que a Id?a Velha ainda est? viva e que se occupa em andar a dias pelas casas particulares onde n?o ha outra id?a de dentro para o servi?o da familia.

Os da Id?a Nova teem esta falha notavel: supp?em que a Id?a velha vigora, que domina, que reina ainda, que governa a consciencia humana, que prepondera nos destinos do mundo, E v?em-se mo?os honestos e engra?ados, assumindo uma seriedade que faz arripiar os cabellos aos pathologistas, dispenderem o seu nervosismo precioso a combaterem, como se fosse uma for?a da natureza ou uma corrente da sociedade, aquillo que ha meio seculo n?o passa do um artificio convencional e de uma superfeta??o litteraria da banalidade e da insipidez ociosa, sem pega em nenhum dos interesses do espirito ou do cora??o do homem no tempo presente.

Eis a doen?a que este livro accusa:--A dissolu??o dos costumes burguezes.

O mais caracteristico symptoma d'esse mal ? a falsa educa??o. A educa??o burgueza tem um defeito fundamental: mant?m na mulher a mais terrivel, a mais perigosa de todas as fraquezas, Esta fraqueza consiste no seguinte: No fundo mais intimo e mais secreto da sua existencia de artificio e de apparato a burgueza sente-se conscienciosamente mesquinha e reles. Vamos ver porqu?.

Porque na burguezia, na burguezia de Lisboa principalmente, ha uma desharmonia medonha, um contraste assombroso de desequilibrio entre a representa??o da vida exterior e o systema da vida intima.

Basta olhar de f?ra para as casas, basta considerar o aspecto exterior do templo para se fazer uma id?a do que p?de ser dentro o culto d'essa religi?o--a familia!

As casas do centro do Lisboa, de uma uniformidade cellular monotona, parada como um olhar idiota, sem pateo, sem uma arvore, sem uma folha de verdura fresca e palpitante, tendo por amago o sagu?o sombrio e infecto, com a ultrajante pia no interior da cozinha ao lado do fog?o por baixo das ca?arolas, com alcovas sem luz, enodoadas pelas manchas dos canos rotos, inficionadas pelo cheiro nauseabundo do petroleo e da alfazema queimada, s?o os sepulchros da saude e da alegria.

Uma senhora franceza, tendo viajado em toda a Europa e visitando recentemente Lisboa, communicava-nos esta profunda observa??o:

<>

N?o a interessa nenhum dos phenomenos da natureza, porque ignora completamente as leis que regem o universo e que determinam esses phenomenos.

Na moral as suas convic??es baseiam-se em uma serie de principios theoricos, que ella viu sempre ou quasi sempre refutadas por uma serie contradictoria de interesses praticos, tirando esta conclus?o: que o dever consiste na mais habil combina??o que se possa fazer d'essas theorias e d'esses interesses para o fim de chegar a este ultimo resultado, ao qual tendem solidariamente todas as fraquezas das sociedades corruptas:--o socego.

Principia ent?o a causar-lhe um tedio profundo, nauseante, a sua vida domestica: a casa de aluguel de que muda de anno em anno; o seu pequeno quarto sem tradi??es, sem historia, como o de uma estalagem; o sagu?o infecto, onde zumbem no ver?o as grandes moscas gordas e pesadas; a cozinha escura como uma exovia, deixando pender em esphacelamento as ca?arolas gordurosas e as lou?as esbotenadas; a sala pretenciosa e inutil com os moveis angulosos e perfilados, o tapete com dois cavallos arabes defronte do sof?, a lythographia da mulher que sorri, o album dos retratos dos parentes com o seu ar endomingueirado e palerma, as flores de papel, as missangas, e o globo de vidro azul pendente de um cord?o no meio dos cortinados.

Ella tem um secreto ideal de grande elegancia, de alta distinc??o decorativa, o que quer que seja de superfino, de requintado, de exotico, similhante ao que viu no theatro ou ao que leu em um romance de Feuillet. E julga-se superior, predestinada para uma existencia mais nobre, incomprehendida no seu meio, que a envergonha. E nunca se refere ? sua vida intima sem mentir. Mente ridiculamente a respeito das coisas mais simples, mais triviaes, e ? para se dar um aspecto superior, para se encobrir do que ?, que ella assim mente. Mente do modo mais miseravel a respeito dos criados que n?o tem, das visitas que n?o faz, da opera que n?o viu, dos livros que n?o l?, da modista a que n?o vae, dos banhos que n?o toma, dos jantares que n?o come, das dignidades, das distinc??es ou do luxo que n?o usa.

Casada, procura finalmente realisar os seus sonhos de leitora de romances e de frequentadora dos dramas do theatro de D. Maria. Mas n?o lhe sae o que quer: n?o sabe organisar aprazivelmente a casa, n?o sabe tornar encantadora a familia.

Humilhada, infeliz, come?a a descor?oar a pouco e pouco da sua predestina??o superior. Sente que ha na sua constitui??o moral uma falha da qual resulta o desequilibrio dos seus actos com as suas aspira??es. N?o se acha firme na posse da existencia. Falta-lhe essa tranquilla e serena harmonia que se chama a perfeita dignidade e que ? o resultado da perfeita educa??o.

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