Read Ebook: Le Rêve by Zola Mile
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Ebook has 499 lines and 73278 words, and 10 pages
VIDA
MANOEL SEVERIM
DE FARIA:
Entre os grandes homens de que Lisboa tem a gloria de ter sido Patria, foy hum Manoel Severim de Faria, que teve por Pays a Gaspar Gil Severim Executor M?r do Reyno, e Escriva? da Fazenda Real, e sua segunda mulher Dona Juliana de Faria. Na? pude descobrir o dia, em que veyo ? luz do Mundo, mas pela idade, em que falleceo, devia de ser o anno do seu nascimento o de 1581. ou 82. Sendo ainda menino foy para Evora assistir em casa de seu Tio Balthesar de Faria Severim, Chantre que era daquella antiga, e illustre Cathedral. Aprendeo em Evora Filosofia, e Theologia, em que fez progressos ta? grandes, que em ambas estas Faculdades tomou o gr?o. Vendo-o o Tio j? capaz, na? menos pelos annos, que pelas letras, de lhe succeder no Chantrado, o renunciou nelle em 16. de Setembro de 1609. e depois de lhe dar a posse, se recolheo ao Convento da Cartuxa da mesma Cidade, aonde professando com o nome de D. Basilio, deixou dos seus estudos, e virtudes igual memoria. Na? se esqueceo Manoel Severim de Faria com a nova Dignidade do que estud?ra, como muitas vezes succede; mas procurando adiantarse cada vez mais em todo o genero de Sciencias, se applicou ? li?a? da Sagrada Escritura, da Theologia Mystica, da Historia, da Politica, da Geographia, e das Antiguidades Romanas, e Portuguesas, em que foy insigne. A mayor parte do rendimento daquelle pingue beneficio converteo em livros, de que juntou huma grande copia, na? s? estimavel pelo numero, como pela qualidade, pois ?lem de alg?s, a que a raridade dos exemplares fazia preciosos, se achava? naquella celebre Livraria alguns Volumes escritos no Papyro do Egypto, outros em folhas de palmas com pena de ferro, a que chama? estilo, e entre elles as obras de Fr. Luiz de Granada traduzidas na lingua do Japa?. A sua generosa, e conhecida curiosidade o fez Senhor de hum thesouro de Moedas Romanas, e Portuguesas, pois como se l? em algumas das suas obras, era? tantas as que se lhe levava?, que parece que a terra se desentranhava para o enriquecer. Conservou grande numero de vasos, e outras reliquias da grandeza Romana, de que formou hum Museo digno de hum Principe; mas por sua morte desapareceo de maneira, que delle na? ha mais que huma lastimosa tradi?a?. Tendo renunciado em outro Sobrinho seu do mesmo nome o Chantrado de Evora, depois de huma dilatada emfermidade de Tericia, falleceo naquella Cidade em 16. de Dezembro de 1655. em idade de setenta, e dous annos. Foy de boa estatura, muito corpulento, olhos azues, naturalmente descorado, mas de agradavel presen?a. O seu Cadaver foy levado com a mayor pompa que se p?de considerar, porque ?lem das Communidades Religiosas, da Cleresia, e Confrarias da Cidade, concorreo toda a Nobreza, e Povo, porque de todos era igualmente bemquisto, e respeitado. Deose lhe sepultura em hum dos angulos da Cemiterio da Cartuxa, e sobre a Campa, em que esta? abertas as Armas dos Severins, e Farias, se l? esta inscrip?a?.
INDEX DOS PARAGRAFOS, QUE SE CONTEM neste Livro.
DISCURSO VI
ELOGIOS.
ERRATA.
Tratando primeiramente da lavoura, e Agricultura, he de notar, que para por esta via se tirarem della muitas riquezas, he necessario haver muita gente. Grande exemplo temos disto em nossa Espanha no Reyno de Granada; porque no tempo que os Arabes estava? Senhores deste Reyno, por ser enta? habitado de muitos Mouros, que lan?ados de todas as mais partes de Espanha, se fora? recolhendo nelle, todos os montes se via? cubertos de vinhas, e arvores fructiferas, os valles, e campinas de sementeiras, e hortas, de maneira que na? se podia ver no mundo terra mais abastada, e abundante de todas as cousas. E era tanto isto assim, que s?mente as folhas das amoreiras da Veiga de Granada rendia? a ElRey mais de 30U. cruzados, e as rendas das sedas, que se creava? no Reyno, rendia? mais de 42. contos, e punha o Rey de Granada mais homens de cavallo em campo, que os outros Reynos de Espanha; com serem os mais delles muito mayores, que o de Granada; o qual agora pela falta, que tem de gente, est? ta? dessemelhante daquelle tempo, como se na? fora o mesmo torra? da terra, e por esta causa viera? as rendas delRey naquelle Reyno a tanta quebra, que na? chega? hoje a ametade do que dantes valia?.
Na China por ser infinita a gente, he tanto o mantimento, que d? a terra, e tanta a industria com que a cultiva? seus naturaes, que sendo elles tantos, que por n?o caberem nas povoa?oens, habita? em barcos nos rios, e enseadas; comtudo na? padecem falta delles, antes os leva? della continuamente de mercadoria para outras partes.
Em Alemanha, por haver muita gente, florece tanto a mechanica, que a ella se attribue a inven??o da impressa?, polvora, e artilheria, as maravilhosas fabricas dos relogios, e dos mais dos instrumentos Mathematicos; de entre elles sahio a artificiosa inven?a? do papel, de que hoje usamos, das quaes cousas todos os antigos na? tivera? noticia.
O mesmo succede na China, a qual por ser a mais povoada Provincia do Oriente, tem mais artificios, e obras mechanicas, que todas as outras; porque della vem os leitos, escritorios, bofetes, e mesas douradas, as camas bordadas de ouro, e seda, as per?olanas finas, as telilhas, damascos, tafet?s, e outras mil inven?oens da sedas em t?o grande quantidade, que todas as Provincias do mundo esta? cheyas destas mercadorias; e ainda conf?rme ? opinia? de alguns modernos, elles achara? primeiro, que os Alemaens, o papel, a impressa?, a polvora, e fundi?a? da artilharia.
Da copia da Agricultura, e das Mechanicas nasce a mercancia; porque na? sendo os frutos da terra, e materiaes comuns a todas as Provincias, procura? os mercadores levar os frutos, e obras, que nas patrias tem de sobejo a outras partes, onde as taes cousas falta?; e trazerem dellas as que se na? da? nas suas terras; o que na? p?de ser, se n?o havendo abundancia de gente, que se possa occupar nestes tratos, e viagens, como vemos em Alemanha, Flandes, Inglaterra, Italia, e na China, que com a multida? de seus baixeis mercantis correm o mundo todo, e o enchem de suas mercadorias.
Por?m para nenhuma cousa he mais necessaria a multida? de gente, que para a Milicia; porque como os soldados sa? ordinariamente a gente superflua na Republica, na? havendo destes muitos, na? p?de haver exercitos grandes, com os quaes s?mente se fundara? as quatro Monarquias. Dos Assirios, e Persas lemos, que os exercitos era? ta? grandes, que lhes na? bastav?o para beber as agoas dos rios. Os successores de Alexandre, que podemos dizer fora? os possuidores da Monarquia Grega, tambem se valera? de exercitos grossissimos, e a Republica Romana adquirio o senhorio do mundo, n?o menos com o grande numero das suas Legioens, que com sua prudencia, e valor. A ruina do Imperio de Roma foy mais causada das innumeraveis gentes, que do Norte sahira?, que n?o de sua destreza militar: o mesmo experimentamos no senhorio dos Arabes, que com sua multida? subjugar?o o Imperio Grego, o Egypto, e Africa, e tivera? muito tempo tiranizada a Espanha. Pelo que sem grande numero de gente, n?o se p?de adquirir, ou conservar, grande Senhorio.
Com tudo de prezente experimentamos neste Reyno falta de gente, assim para a milicia, como para a navega?a?, e muito mais para a cultiva?a? da terra; pois por falta da gente Portugueza se servem os mais dos lavradores de escravos de Guin?, e mulatos. Pelo que apontaremos as causas, porque neste Reyno falta a gente do povo, e da nobreza, que parece sa? as seguintes.
A segunda, causa porque falta a gente deste Reyno, he por na? terem officios, com que ganhem de comer por sua industria, que he o meyo, que Deos deo para a sustenta?a? de cada hum; e como os homens na? tem de que se sustentem, na? se querem casar, e muitos com esta occasia? se fazem v?dios andando pedindo esmola pelas Cidades, e Villas, homens, e mulheres em ta? grande numero, que parecem exercitos; e a desculpa, que da? para pedirem, he dizerem, que na? acha? em que trabalhar. Outros se passa? a Reynos estranhos, principalmente para os de Castella pela facilidade da vizinhan?a, onde antes da Acclama?a? havia tantos Portuguezes, que muitas pessoas affirmava?, que a quarta parte dos moradores de Sevilha era? nascidos em Portugal, e que em muitas ruas daquella Cidade se fallava a nossa lingua, e na? a Castelhana. Quasi o mesmo se podia dizer de Madrid; e por toda Castella a Velha, e Estremadura he notorio, que os mais dos mechanicos era? naturaes deste Reyno, os quaes por n?o terem c? em que trabalhar, hia? l? ganhar sua vida.
A terceira causa porque falta a gente popular, he por na? terem neste Reyno terras, que cultivem, e de que possa? tirar sua sustenta?a?, porque a Provincia de entre Douro, e Minho, e as mais at? o Tejo esta? bastantemente povoadas, e n?o h? nellas lugar para se fundarem n?vos p?vos, que possa cultivar a gente, que cresce. E Alentejo, que pod?ra socorrer a esta falta como est? todo dividido em herdades, e as mais dellas muito grandes, nem se pov?a, nem se cultiva. Porque sendo as herdades de muitas folhas, fic?o de ordinario as tres partes dellas por semear, faltando por esta causa os muitos frutos, que se dellas podera? colher, e a c?modidade, que podera? dar a tantos homens, que n?o acha? lugar, onde poder fazer hum recolhimento em que se meta?: e por isto se embarca tanta gente para f?ra da Barra, obrigando-os a necessidade a ir buscar terras, em que viva? a outras partes do mundo; pois lhe falta? em sua propria patria.
Estas trez sa? as causas da falta da gente popular deste Reyno; mas as da falta da gente nobre se p?dem reduzir a duas. A primeira he a uni?o de muitos Morgados numa pessoa; porque quando se conserva hum Morgado per si, cada possuidor casa, e propaga sua familia; mas juntando-se muitos Morgados numa s? pessoa, essa s?mente casa, e as mais familias, para que os outros Morgados fora? instituidos, fica? extintas. Isto tem acontecido em Portugal a grande numero de Morgados; e he t?o grande este danno, que j? os Reys lhe quizera? acodir, como se v? no 4. livro das Ord. tit. 100. onde se diz, que com esta uni?o dos Morgados se fica? extinguindo as Casas, e Familias, e faltando a gente nobre para a defensa?, e conserva?a? do Reyno. Pelo que esta he a principal raz?o da falta da Nobreza.
A segunda he a grandeza, a que tem chegado os dotes das mulheres nobres; pois vay em tanto excesso, que poucos sa? os Fidalgos, que p?dem casar huma filha, e quasi nenhum duas, como se disse no capitulo das Cortes do Estado da Nobreza a ElRey Nosso Senhor pedindo-lhe remedio para este danno, por ser gravissimo, e que extinguia grandemente a Nobreza de Portugal.
Das nossas Colonias das Ilhas Terceiras, e Madeira foy socorrido este Reyno por vezes com gente, e com cavallos, e com muito trigo. De Angola se tem tirado innumeravel gente, que serve na? s?mente nos engenhos do Brasil, mas ainda neste Reyno, assim na cultiva?a? do campo, como no servi?o ordinario. Da povoa?a? do Brasil resultou a mercancia do assucar em tanta abundancia, que delle provemos quasi toda Europa. Donde se v?, que estas Colonias na? nos sa? de tanto prejuizo, porque nos leva? menos gente.
Por?m na conquista da India na? succedeo assim; porque estando tantas mil leguas distante de Portugal, e com navega?a? ta? perigosa, foy necessario tirar-se do Reyno muita gente tornando pouca, ou nenhuma della; porque se intentara? povoar muitas Cidades postas nas fronteiras dos mais poderosos Principes do Oriente, como foy Ormuz na Persia, Dio, e outros p?rtos na Cambaya, Goa junto ao Idalca?, Columbo, e outras for?as em Ceila?, Malaca defronte de Sam?tra, as Malucas no estremo do Emispherio, e Mac?o ?s portas da China; al?m de outras muitas Fortalezas, que se na? referem, para as quaes se requeria grande numero de soldados, e huma despeza infinita. Pelo que foy de opinia? D. Francisco de Almeida primeiro Viso-Rey da India, que naquelle Estado na? nos convinha ter mais que huma, ou duas Fortalezas nos p?rtos, em que havia? de invernar as nossas N?os, e Armadas para poder continuar livremente o comercio: e que f?ra disto, quantas mais Fortalezas sustentassemos, tanto mais fracos ficariamos. Deste parecer fora? muitos Conselheiros delRey D. Manoel, demaneira, que chegou a dizer o Governador Afonso de Albuquerque, que mais merecia a ElRey, por lhe defender Goa dos Portuguezes, que pela tomar duas vezes aos Mouros. Com tudo o contrario se seguio, povoando-se pelos nossos tantas terras, e Ilhas em Asia, como se fosse huma Provincia confinante com Portugal; sendo cousa notoria, que a navega??o da India se intentou para comercio, e na? para conquistas. Porque a conquista s? conv?m, quando he para seguran?a do Estado proprio. Mas sendo a India ta? longe de Portugal, e as for?as ta? espalhadas, e divididas, na? podia servir para conserva?a? deste Reyno, se na? para diminui?a? delle.
Por?m estas razoens politicas for?o vencidas da Providencia Divina, que obra suas ac?oens contra as causas naturaes, para mostrar, que na? necessita de nossos meyos para produzir seus effeitos; e assim querendo, que se promulgasse a F? naquellas Provincias, ordenou, que os nossos Reys, e seus Conselheiros approvassem esta Conquista, e com milagres evidentes ficara? os Portuguezes quasi senhores de todos os mares do Oriente, e dos principaes p?rtos de suas Costas, ganhando fama immortal com o soberano esfor?o, que nestas heroicas empresas mostrara?, e pr?gando-se o Sagrado Evangelho por este meyo a todas aquellas Gentes com grande gloria de Deos, e proveito de innumeraveis almas, que se bautizara?. Mas andando o tempo, ou por algumas daquellas na?oens se fazerem indignas daquella doutrina por sua contumacia, ou por culpa dos nossos, a quem a cobi?a fez faltar na boa administra?a? dos seus governos, se fora? perdendo as pra?as mais distantes; porque por estarem muito apartadas de Goa, na? podera? ser a tempo socorridas: e assim se senhoreara? nossos inimigos das Malucas, Ormuz, Malaca, e Mascate. Deste modo ficou o Estado mais proporcionado tendo menos Fortalezas, e na? ta? desmembrado; pois as principaes se reduzem agora a Mo?ambique, Goa, Cochim, Columbo, e Dio. Pelo que est? hoje a India na? peyor para o trato das especiarias, que he o principal c?mercio; e juntamente est? mais defensavel, se houver nella milicia paga; porque tirando o tempo do Vera?, em que os soldados anda? nas Armadas, os Invernos fica? na terra, sem terem quem lhes d? de comer, chegando muitos a pedir esmola pelas ruas, e Portarias dos Conventos. Pelo que obrigados huns da necessidade, e outros da cobi?a, se passara? muitos os annos atrazados ? terra firme a servir os Reys Gentios daquellas Provincias; os quaes dando-lhes soldos aventejados, viera? a ter muito mayor numero de Portuguezes em seu servi?o, do que ElRey de Portugal tinha nas suas Armadas, ou Fortalezas. Com este m?o exemplo se fora? muitos viver nas mesmas povoa?oens dos Gentios acrescentando-as em opulencia, como foy a de Meliap?r, e outras; de modo, que podemos dizer, que muitos p?rtos das Costas da India se povoara? de Portuguezes casados na terra em tanto numero, e poder, que muitos delles se intitulara? Reys, e Senhores dos mesmos lugares, como foy na Ilha de Sundiva, nos Bandeis de Bengalla, em Siria?, e em Camboja, e outras partes; posto que todos elles acabara? as vidas miseravelmente, castigando-os Deos com grande rigor, por deixarem as terras dos Christa?s, e irem-se viver entre os Gentios. Esta he a causa porque affirma Diogo de Couto, que em tempo de ElRey D. Sebastia? avia na India 16U. Portuguezes, e com tudo na? se podera? mandar 800. a Malaca, para a ir governar Antonio Moniz Barreto, nem D. Leoniz Pereira.
Este desamparo dos soldados na India, posto, que sempre se experimentou, at?gora se na? tem remediado, e em quanto se na? atalhar, havendo naquelle Estado huma milicia com numero certo de Companhias com seus Capitaens, e pagas assinaladas, na? p?de deixar de se seguir este danno gravissimo: que he pedir-nos a India sempre gente, e na? se valer o Estado della. Porque no principio os Governadores mandava? dar mesa aos soldados no Inverno, por?m de muitos annos a esta parte na? h? mesas, se na? em quanto se cura? no Hospital. Para o que he de saber, que de dous mil soldados, que va? ordinariamente em trez N?os para a India cada anno, morre grande parte delles na viagem; porque como va? sete centos, e oito centos, e inda mais numa N?o, naturalmente adoece, e fallece gra? numero delles, por se corromper o ar dentro das cubertas com os bafos, e immundicias; de maneira, que o mesmo he descer a ellas, que entrar em hum lugar pestilente. E o pobre do soldado, que adoece, na? tem cama, nem limpeza, nem regalo, nem consola?a? alguma. Diogo de Couto na 9. Decada cap. 11. diz que na N?o, em que o Viso-Rey D. Antonio de Noronha passou ? India, em que o mesmo Diogo de Couto hia embarcado, partira? de Lisboa 900. pessoas, de que na viagem morrera? as quatro centas, e cincoenta; e que quasi o mesmo foy pelas outras N?os; porque de 4U. soldados, que o Viso-Rey nellas levava, fallecera? na viagem os 2U. e Duarte Gomes nas Informa?oens sobre a Companhia Oriental, diz, que na N?o S. Valentim morrera? quatro centas pessoas, e isto tem acontecido muitas vezes. Pelo que chegando esta soldadesca j? ta? disimada ? India, e na? achando provimento algum, com que se sustente, huns inficionados do mal da viagem, outros do grande desamparo, pobreza, e miseria, e apalpados da terra caem em mayores infirmidades; e assim va? quasi todos parar ao Hospital, onde se diz, que muitas vezes fallecem mais de 600. e 700. homens destes: de maneira, que desta soldadesca, que tanto custa ? Fazenda Real a p?r na India, se perde a mayor parte, sendo a causa o desamparo, com que se trata? os soldados naquelle Estado. Pelo que sem haver na India gente paga, e pratica para andar nas Armadas, e presidiar as Fortalezas, na? se p?de esperar nenhum bom effeito da nossa milicia, pois al?m do que temos dito, toda ella he feita cada anno em Goa tumultuariamente, e de soldados armados com toda a desigualdade, assim no numero, como nas Armas, porque cada hum traz as que quer: de maneira, que em hum Navio os mais leva? espadas, e rodellas, e va? poucos tiros de fogo, e nenhuns mosquetes. Al?m disso os mesmos soldados sa? de ordinario bizonhos, e na? quaes conv?m ? milicia; porque os soldados, que em Lisboa se assenta? nas nossas N?os, sa? os mais delles mo?os de quinze, e dezeseis annos que vem a ser huma infantaria pueril: e por isso vindo a pelejar com os inimigos de Europa, ficamos quasi sempre na India inferiores nos successos pela grande ventagem, que nos leva? na escolha dos soldados, nas armas, e na ordem da milicia: o que nos na? tem acontecido na Ethiopia, e Brasil, onde muitas vezes vencemos a estes mesmos contrarios, por termos milicia ordenada.
Contra esta nossa desordem nos p?dem servir de exemplo os mesmos Holandeses; pois em cada embarca?a? na? leva? de ordinario mais de 300. homens; nem sustenta? na India mais p?rtos, que o de Jacatr?, e Malaca, e os que lhe convem em Ceila? para o trato da Canella: de maneira, que na? tem em toda a India commummente mais de mil homens pagos pouco mais, ou menos, e estes anda? divididos, comerceando, e militando. Do mesmo modo os Castelhanos sustenta? as Philippinas com hum ter?o de 400. homens pagos com seus Officiaes; e na? assenta? governo em Provincia alguma, sem primeiro ordenarem nella milicia certa. Pelo que he impossivel defendermos na India ta? grande numero de Cidades, e Fortalezas, que necessita? de muitos mil soldados; sendo os nossos sempre poucos, e bizonhos, e sem nenhuma ordem. Nem se p?de responder, que sempre na India se militou desta maneira, porque antigamente na? havia nella inimigos de Europa, se na? de ordinario piratas Malavares. E se houve na India Armadas de f?ra, como as do Solda?, e do Turco, foy nos primeiros annos, em que as nossas Armadas era? ta? numerosas, que excedia? as destes contrarios, o que agora totalmente na? h?. E assim havendo milicia certa, e escolhida, poder? o Estado da India tornar a florecer, se as N?os forem menores, e da grandeza, com que se come?ou o comercio, como adiante se mostrar? porque deste modo chegar?? os soldados com saude, e elles voltar?? com especiarias a salvamento, e na? se levar? tanta gente todos os annos infructuosamente deste Reyno.
O remedio para a segunda causa, porque falta a gente neste Reyno, ser? exercitarem-se nelle as artes mechanicas, de que carece. Affirma? os Politicos, que na? h? cousa, que importe mais para fazer huma Provincia numerosa de habitadores, e rica de todos os bens, que a multida? das artes; das quaes humas sa? necessarias, outras commodas ? vida civil; porque dellas se segue o grande concurso de gente, que ou trabalha, ou menea o trabalho, ou administra a materia aos trabalhadores, compra, vende, e leva as obras de hum lugar a outro. De maneira, que importa muito mais a industria do homem para fazer hum lugar populoso, que na? a fertilidade do terreno; porque as cousas produsidas da industria humana sa? muitas mais, e de muito mayor pre?o, que as cousas geradas pela natureza. O exemplo, que disto trazem os Politicos, he a la?, a qual he fruto simples, e grosseiro da natureza, mas a arte, qua? excellentes pannos, qua? varios, e de quanta diversidade fabr?ca desta materia? Sustentando-se della, na? s? o que a cria, mas os que a carda?, fia?, urdem, tecem, tingem, corta?, cozem, e a forma? em mil materias, e a leva? de hum lugar a outro. O mesmo se diz da seda, que he fruto simples; e com tudo quanta variedade forma della a arte? Bem se v? em Floren?a, Genova, e Veneza, onde com a arte da seda, e da la? se mantem quasi dous ter?os dos habitadores. O mesmo acontece em toda a outra materia. Italia he Provincia, na qual na? h? mineral de importancia de ouro, ou prata, como tambem o na? h? em Fran?a; e com tudo huma, e outra he abundantissima de dinheiro, e de thesouros pela industria das artes, e mercancia. Flandes tamb?m na? tem veas destes metaes; e por sua muita industria, na? h? Provincia em Europa mais habitada, nem onde haja tantas Cidades, e ta? grandes, e ta? frequentadas de Estrangeiros, e ta? florentes em riquezas. Por tanto o Principe, que quizer fazer populoso o seu Reyno, deve introdusir nelle toda a sorte de industria, e de officios; o que far? com trazer Officiaes excellentes de outras Provincias, e dar-lhes salarios, e commodidades convenientes, e com favorecer os bons engenhos, e estimar as inven?oens, e as obras, que participa? do singular, e do raro, e com sinalar premios ? perfei?a?, e excellencia.
Mas sobre tudo he necessario, que na? permita, que se levem para f?ra de seus Estados os materiaes cr?s, como sa? as la?s, seda, madeira, metaes, nem outras semelhantes cousas; porque com os materiaes va? tambem os Officiaes, que os lavra?. E al?m de viver muita mais gente do trato da materia lavrada, que da materia simples, como apontamos, as rendas do Principe sa? com excesso mayores pelas sacas das obras, que dos materiaes. Mais tira dos veludos, damascos, e semelhantes teas, que da simples seda, mais dos pannos, que da la? tosca; mais das teas de linho, que do linho; mais da cordoalha, que do canamo. O que vendo h? annos os Reys de Fran?a, e Inglaterra, prohibira? levar a la? para f?ra de seus Estados. O mesmo fez tambem depois ElRey Catholico; ainda que estas ordens na? se observara? com o effeito, que convinha.
Neste Reyno tambem houve esta prohibi?a?; mas estava ta? esquecido o cuidado do bem publico pela falta dos Principes naturaes, que toda a la? se levava para f?ra; de maneira, que no anno de 1645. s? em Evora em poucos dias se comprara? com dinheiro de Mercadores Estrangeiros 9U. arrobas. Pelo que S. Magestade, que Deos guarde, mandou de novo prohibir estas compras; por?m na? basta s?mente esta prohibi?a?; mas o que importa, e o para que trazemos estes exemplos, he que se introduza? no Reyno estas mechanicas, e teares, fazendo, que destas nossas la?s se te?a? no Reyno os mesmos pannos, que os Estrangeiros tecem dellas nos seus, e nos trazem depois a vender. Porque disto se nos seguir?? duas grandes utilidades, a primeira, que ficar? no Reyno todo o dinheiro, que ouvera de ir para f?ra por raza? destes pannos, a segunda, que na? depender? da vontade dos Estrangeiros trazerem nos esta mercadoria, de que totalmente necessitamos, e por-lhe os pre?os ? sua vontade tendo-a n?s em nossa casa. Isto se p?de ordenar fazendo, que se lavrem neste Reyno as baetas, que vem de Inglaterra, pois sa? tecidas com as nossas mesmas la?s. Agora no principio se poder? fazer conduzindo com premios alguns Officiaes, mandando-os vir de Londres, ou de outras partes; e fazendo assentar este trato nos lugares, que parecem mais convenientes, como em Estrem?s, Borba, Portalegre, Covilh?a, e com isto se daria principio a hum trato de grandissimo proveito, assim para as rendas Reaes, porque com estes direitos cresceria? muito, como para o bem c?mum, porque teria o Reyno as baetas muito mais baratas, e em mayor abundancia, e para a sustenta?a? do povo; porque muita parte delle se manteria com esta occupa?a?.
He o ferro de Portugal o melhor do mundo, delle se lavrara? as mais prezadas escopetas pedidas pelos Principes, e que se lhe offerecia? por pe?as de muita estima, sendo-nos ta? necessarias estas armas, he erro grande mandarmolas buscar de outras Provincias, sendo as Estrangeiras muito inferiores ?s nossas, como se v? nas muitas, que arrebenta? cada dia nas Fronteiras, o que as nossas na? fazem.
O lavor dos pannos de algoda? se poder? introdusir neste Reyno com muita facilidade: pois somos senhores do algoda? do Brasil, e Cabo-Verde, que he infinito, e finissimo. E para Mestres se poder?? mandar buscar os Teceloens da India, que sa? os melhores do mundo, e fazer em Lisboa os canequins, e bofet?s, que l? himos buscar com tanto trabalho, e perigo.
Diz o Doutor Laguna no seu Commento de Dioscorides, quando falla da gra?, que a gra?, que nasce em Portugal, he a melhor, que se conhece em Europa, e como tal he buscada dos Estrangeiros com grande culpa nossa; pois dando-nos Deos esta tinta ta? excellente neste Reyno, na? se tece nelle hum covado de gra?; e os Estrangeiros nos torna? a vender o que he proprio nosso, a mais subido pre?o, podendo n?s vendello a elles. O mesmo se pode dizer do p?o do Brasil, e pastel das Ilhas, que sendo quasi mercadorias estanques, n?s as damos em materia simples a todas as Na?oens da Europa para com ellas tingirem os seus pannos, podendo n?s usar dos mesmos tratos, e ser os vendedores dos pannos, e na? os compradores. Estas, e outras mechanicas se poder?? obrar com grande utilidade do bem publico, assim para as rendas Reaes, como para a multiplica?a?, e sustenta?a? do povo. E na? h?, que reparar em parecer, que ser? isto cousa difficultosa, ou muito custosa, se na? ordinaria, e facil; pois o grande trato das sedas de Sicilia teve principio em ElRey Rogerio trazer de Corintho, e Athenas, quando as entrou, alguns Officiaes de seda para Sicilia: e estes bastara? para fazerem naquella Ilha hum trato de seda, que a tem tanto enriquecido. Da mesma Sicilia mandou vir o nosso Infante D. Henrique os Mestres para ensinarem a plantar, e beneficiar o assucar na Ilha da Madeira. Este principio bastou para fazer aquella Ilha a mais rica do mar Oceano; e para della sahirem depois os Mestres, que introdusira? este trato na Ilha de S. Thom?, e em todo o Brasil, que se na? sustenta de outra causa, e he o mayor rendimento, que agora tem a Coroa de Portugal. Pelo que pois temos j? em casa o exemplo, e experiencia, na? nos p?de parecer este arbitrio novo, ou de pequeno effeito.
Poucos annos h?, que hum Oleiro, que veyo de Talaveira a Lisboa, vendo a bondade do barro da terra, come?ou a lavrar lou?a vidrada branca, na? s? como a de Talaveira; mas como a da China; porque na formosura, e perfei?a? p?dem competir as per?olanas de Lisboa com as do Oriente; e imitando-o outros Officiaes, cresceo a mercadoria de maneira, q? na? s?mente est? o Reyno cheyo desta lou?a; mas vay muita de carrega?a? para f?ra da Barra. Do mesmo modo quasi por este tempo come?ara? pelo districto de Coimbra a fazer searas de milho grosso de ma?aroca, que vem de Guin?; e aos primeiros seguira? outros em tanto numero, que he hoje o mantimento mais ordinario para a gente vulgar, quasi em toda a Beira, e entre Douro, e Minho; de que se seguio grande beneficio a estas Provincias; porque como as searas sa? de regadio, nunca falta?; e fundindo muito, vem a ser o mantimento muito barato, com que o povo fica de todo abastado. Pelo que se estas mercadorias se introdusira? em nosso tempo s? pela industria dos particulares; com quanto m?r facilidade, e felicidade se podera? introdusir as outras, que apontamos, pelo poder, e authoridade dos Principes?
Nota? os Politicos, que os Romanos antigos, assim para cultivarem toda Italia, como para conseguirem a multiplica?a? da gente, que sempre pretendera?, usara? muito desse remedio das Colonias; porque s? de Alba Julia sahira? trinta, e de Roma se tirara? quasi infinitas, com o que o povo Romano se foy multiplicando em grande maneira, porque assim como as abelhas crescem com se lhe tirarem das colmeyas os novos enxames cada anno; da mesma maneira acontece tirando-se de hum povo grande huma Colonia; porque se d? occasia? para crescer muita mais gente, do que crescera, se sena? tirara; porque muitas daquellas pessoas por na? terem terras, nem commodidade para viver, se na? casaria?; e assim se perderia toda a gera?a? dellas; o que na? acontece, quando se tira a Colonia; porque enta? o Rey, ou o Senhor, que a Colonia funda, lhe concede na terra, para onde a manda habitar, campos, e herdades, de que se possa sustentar. Deste remedio das Colonias se tem tambem usado neste Reyno de seu principio. Porque desde o Conde D. Henrique at? ElRey D. Diniz, na? s?mente os Reys fundara? muitas Villas, mas os Prelados, Camaras, e Fidalgos particulares, repartindo as herdades, que tinha?, aos moradores, que queria? ir para ellas, dando a cada huma terras para cultivar com a pensa? dos quartos, ou oitavos na f?rma, que se concertava?. De modo que muita parte do Reyno se povoou por este meyo, e principalmente Alentejo, que ainda que por ser a ultima Provincia de Portugal, que se conquistou, ficou menos povoada; com tudo quasi todos os Lugares, que nella h?, fora? fundados pelo Bispo, e Cabido de Evora, e pelos Mestres de Aviz, e S. Tiago, e outros Fidalgos. Pelo que pois por este meyo das Colonias teve a povoa?a? do Reyno principio, na? se lhe p?de buscar outro mais proprio, nem mais facil, para se povoar, principalmente Alentejo; que com ser quasi tanta terra, como o restante de Portugal, est? quasi deserta, e com muy poucas Villas, e Lugares. A raza? he por estar todo Alentejo dividido em herdades, das quaes os Lavradores na? sa? senhores; mas s?mente arrendadores; e ainda, que muitos homens dezeja? fazer casas novas nas mesmas herdades, na? lhe podem os Lavradores dar pera isso licen?a; mas antes quando os Senhorios o querem, elles o na? consentem, pelo danno, que temem, que os taes moradores lhes ha? de fazer nas suas searas, e nem huma arvore de fruto, ou parreira ouza? plantar na terra; porque logo o visinho lan?a sobre elle no novo arrendamento para ficar melhor acc?modado. Donde vem estar agora esta Provincia ta? despovoada; sendo assim, que em tempo dos Romanos tinha mais Lugares, que as outras da Lusitania: Pelo que para a povoarem, na? ser? necessario haver for?a; porque se derem aos homens terras, e algum modo de commodo para o principio, de sua vontade haver? muitos, que folguem de se vir viver a estes novos Lugares.
Duas objec?oens se p?dem apontar contra este meyo. A primeira he ser a terra de Alentejo de charneca areenta, e esteril. A segunda, que he falta de aguas, sem as quaes na? p?de haver povoa?a?. Por?m ambas estas difficuldades tem facil reposta. A primeira se responde negando ser todo Alentejo de terra infructifera, e de charneca; porque a mayor parte desta Provincia he de terra muito fertil, e abundante; e a parte, que tem de charneca, na? he toda de roim terra; antes parte della he terra boa. Al?m disto, como temos provado, nenhuma terra se p?de chamar infructifera, porque a que na? he boa para trigo, he boa para cevada, centeyo, ou vinhas, e quando na?, para pastos, que vem a ser de na? menos importancia, que as searas, como se v? na m?r parte de Holanda; cujas campinas, segundo os Geographos, na? servem de outra cousa mais, que de pastos, e com isto est? riquissima. O mesmo se v? na Estremadura de Castella, cujas terras na? servindo mais, que de pastos aos rebanhos de Pastores, que l? chama? de la Mesta, da? grossissimas rendas aos senhores daquelles lugares. Pelo que nos postos, onde a terra na? for boa, se na? de charneca, p?de servir do que dizemos; ou assim mesmo de excellentes colmeares, como se v? na Serra de Serpa, na de Portel, e no termo de Palmella. Por onde o mesmo fora de toda a parte, como tem sido nestes sitios: e na? he menos rendosa a novidade da cera, que qualquer outra mercancia, pois a himos buscar ao Cabo-Verde, e a Berberia. Exemplo do que temos dito, seja o que vemos nas Vendas-Novas, onde a charneca he de area mais solta, e que parecia mais infructifera; e com tudo naquelle sitio se tem plantado vinhas, pomares, e hortas muito boas. E no mesmo sitio das Vendas Novas se vio esta verdade, porque mandando S. Magestade, que Deos guarde, fabricar nelle hum grande Palacio, quando passou ?quella Provincia a fazer as trocas das Princezas do Brasil, e das Asturias, se achou huma notavel copia de agoa, parecendo impossivel, que a houvesse em tal chaneca.
E quanto ? segunda objec??o, que se diz de Alentejo, que na? tem fontes, na? faz ao caso, porque se p?dem abrir muito bons po?os, e na? he novo beberem delles Cidades, e povoa??es muito nobres, como vemos hoje nas Cidades de Beja, e Elvas, antes da agua da Amoreira; e na Cidade de Evora, antes, que lhe trouxessem a agua da prata: e de prezente de po?os bebe a Cidade de Faro, as Villas de Serpa, Montemor o Novo, as Alca?ovas, Alcacer do Sal, e Terena, e o mesmo passa na Estremadura, como em a Alhandra, em Castello-Branco, e em muitas Villas daquella Provincia.
He esta materia ta? facil, que na? est? mais o porse por obra, que em se dar esta licen?a, por quanto na? falta gente, que dezeje ter terras para cultivar: e pela utilidade, que disto se segue ao Senhorios das terras, ser ta? notoria; que lhes na? fica sendo gasto, sena? beneficio grande de sua fazenda. Exemplo seja a povoa?a? da Casa Branca, que o Conde do Sabugal D. Duarte de Castello-Branco fez numa herdade sua, que tinha junto ? Aviz, a qual dividio em Courellas, e dando-a a varios foreiros com obriga?a? de certo foro, e os quartos, veyo a fazer huma povoa?a? de alguns cem vizinhos, que lhe rendem hoje o dobro, que a herdade lhe rendia.
O Conde D. Esteva? de Faro pedio licen?a para fundar huma Villa para della tomar o titulo de algumas herdades, que tinha junto a Alvito, mandou fazer esta divisa?, e edificando a cada morador sua casa, e dando-lhe certas Courellas de terra, fez huma nova Villa, que intitulou Faro de Alentejo, de que tomou o titulo, sem perder nada de sua fazenda, antes acrescentando muito nella.
Em todo Alentejo he ta? grande o numero de homens, que deseja? aforar titulo para huma casa, que na Fregusia da Caridade termo de Mon?ar?s tem o Cabido de Evora huma Aldea de muitos moradores numa herdade sua deste nome, e cada hum destes moradores aforou ao Cabido s?mente o sitio para fazer a casa, dando cada anno de foro hum cruzado por elle. E porque o lavrador da herdade se queixava, que estes visinhos lhe podia? fazer danno ao seu gado, e searas, lhe pozera? clausulas no aforamento, que queixando-se o lavrador do tal foreiro, lhe derrubaria? as casas, sem por isso lhe tornarem nada. E he tal a necessidade, que os homens tem de acharem hum lugar proprio, em que viver, que com estas obriga?oens ta? pesadas aceita? os foros, e vem outros cada dia a os pedir.
Huma das cousas, que tem dado mais cuidado aos Principes, e Respublicas, he o desamparo dos Orfa?s, e assim em todas as Provincias h? sobre estas materias muitas leys, e ordena?oens, porque se manda? crear, e acodir a suas fazendas. Por?m isto toca mais aos ricos, que aos pobres; porque estes como na? tem com que se sustentar, perecem de ordinario os mais delles ? fome, e desamparo; e os que daqui melhor escapa?, he fazendo-se mendigos, com que na? tem nenhuma crea?a?, nem doutrina, e daqui procedem tantos v?dios, e fingidos pobres, como anda? neste Reyno; e o que peyor he, muitos ladroens facinorosos: e por mais leys, que se fa?a? contra esta gente ta? perniciosa ? Republica, na? h? executallas, ainda que sobre isto se fizera? muitos discursos, e livros, que anda? impressos por muitas partes de Hespanha. Pelo que o melhor remedio de todos he acudir a este mal em seu principio, recolhendo estes Orfa?s, e Engeitados, em quanto sa? pequenos, e dando-lhes boa cria?a?. A Senhora Infanta Dona Isabel Clara Eugenia filha delRey Felippe o Prudente, por sua muita caridade tinha deva?a? de mandar em Madrid p?r a todos estes Orfa?s, e Engeitados a officios mechanicos, como refere o Licenciado Herrera no discurso do Amparo dos verdadeiros pobres. E para o mesmo effeito h? na Cidade de Valen?a hum bom Collegio. Por?m muito mais antigo he este cuidado, pois nas leys Imperiaes se faz men?a? da primeira casa, que se fundou em Constantinopla para estes Orfa?s se recolherem, e ensinarem, a que chamava? Orphanotrophia. Com tudo modernamente se faz isto em Italia, e Fran?a com muito mais fruto; porque h? muitos Collegios, Hospitaes, e Hospedarias, onde estes Orfa?s se cria?, e ensina? a todas as artes mechanicas, tendo dentro dos mesmos Collegios aposentos, onde vivem, e ensina? os Mestres, que procura? seja? sempre os melhores daquelles officios. Aqui se lavra com mais perfei?a? a madeira, macenaria, e esculptura, e todos os instrumentos de ferro necessarios ? vida politica, e milicia: aqui as excellentes pinturas, os teares de todas as sedas: aqui as impressoens mais correctas: aqui as fundi?oens mais apuradas; e por isto sa? mais buscadas as obras mechanicas destes Collegios dos Orfa?s, que dos outros Officiaes das Cidades.
Deste meyo nos convinha muito valer em Portugal, vista a grande multida? de Engeitados, e Orfa?s, que h? neste Reyno, os quaes creando-se em boa doutrina, at? se poderem p?r aos officios, ficaria? sendo de grande utilidade ? Republica. Nos lugares maritimos convinha mais usar deste remedio, como sa? Lisboa, Setuval, Porto, Viana, e no Reyno do Algarve; porque destes Orfa?s, e desamparados assim recolhidos se podia? prover os Navios de Grumetes, e Pagens das N?os, e Marinheiros, que he gente, que muito falta neste Reyno, e com a boa doutrina, e cria?a? seria? de grande conveniencia para as nossas navega??es; por quanto ordinariamente falta a crea?a? devida aos homens do mar, como se tem visto em tantos naufragios, e perdi?oens, cujas historias anda? cheyas destas queixas. Por onde com este remedio se evitaria grande parte dos fingidos pobres, e vagabundos, que neste Reyno h?, e se occuparia? em exercicios honestos, e proveitosos ? Republica, e cresceria com isso o numero dos moradores dos lugares, e a multida? do povo do Reyno.
O mesmo que dissemos para o amparo, e remedio dos mo?os Orfa?s, he raza? se diga das Orf?s mo?as, ou para melhor dizer muito mayor cuidado se deve de ter dellas, assim por o seu desamparo ser mais perigoso, como por terem as mulheres muito menos modos de vida, que os homens. Pelo que conv?m, que se procure o seu remedio, applicando todos os meyos, que p?de haver para que estas Orf?s do povo se casem: porque al?m do grande servi?o, que se faz a Nosso Senhor em se tirar a occaisa? de se perderem, ficase alcan?ando o intento da multida? da gente com a multiplica?a? dos matrimonios. Disto p?de servir de exemplo a Cidade de Mila?, que he das mais populosas de Europa; e huma das causas de seu crescimento he dotarem-se todos os annos nella mais de 800. Orf?s. O mesmo se v? no augmento, que a Cidade de Sevilha teve de alguns annos a esta parte; porque ainda que muito delle foy causado do comercio das Indias, com tudo tambem se p?de dar por fundamento casarem-se em cada hum anno muito grande numero de Orf?s, por haver naquella Cidade as Capellas de Micer Garcia de Gibraleon, e do Arcebispo D. Fernando Vald?s, e do Conego D. Fernando de Mench?ca, que s?mente fora? fundadas, para das grossas rendas, que tem, se casarem muitas Orf?s: al?m de haver muitos outros Hospitaes, como o de Deos Padre, de Santo Isidoro, de S. Clemente, de S. Hermenigildo, e o da Misericordia, que casa? cada anno muitas Donzellas, af?ra outros muitos, que do sobejo de suas rendas fazem esta obra de Misericordia.
Para se p?r por obra este meyo, que dizemos, se poderia applicar alguma parte das rendas das Cameras, aonde as houvesse grandes, ou assinar-se huma renda das que entra? no Cabe?a?, cujo rendimento se applicasse s?mente a esta obra pia. Podia-se tambem mandar a todos os Provedores das Comarcas, que onde quer que achassem dinheiro, ou legados deixados para se gastarem em obras pias, que na? fossem nomeadas pelo testador, se gastasse tudo nestes casamentos. E assim se poderia? ordenar outras cousas semelhantes, para que este intento pudesse ter effeito.
O mais efficaz remedio para a primeira causa da falta da Nobreza, he fazer-se huma ley, pela qual se disponha, que sena? possa? ajuntar dous Morgados numa s? pessoa; e que se por via de casamento, ou successa? de parente mais chegado acontecer, que se venha? unir duas Casas, e Morgados de differentes instituidores, e gera?oens em hum s? particular, o filho mais velho deste ultimo possuidor, succeda s?mente em hum destes Morgados, qual elle quizer escolher, e o filho segundo fique succedendo no outro. Porque desta maneira haver? muitos mais casamentos para as mulheres Nobres, e Fidalgas, para as quaes neste nosso tempo se acha? muy poucos; porque se va? ajuntando em huma s? pessoa muitas Casas, e Morgados, que se estivera? apartados, de for?a seus possiduores havia? de casar com mulheres de sua qualidade; o que agora acontece pelo contrario. Porque tanto, que por qualquer via se vem a ajuntar, e unir estes Morgados, o possuidor delles na? casa mais, que com huma, e esta quer que tenha outro Morgado, que se lhe ajunte, ou hum dote ta? grande, que he necessario se meta? Freiras todas as demais filhas, para se poder ajuntar. E he este remedio ta? evidente, e bem considerado, que j? em parte est? posto por ley nas nossas Ordena?oens novas no liv. 4. tit. 100. ?.5. e seguintes: onde diz a ley, que desta desunia? de Morgados se seguir? este mesmo proveito a estes Reynos, que he haver nelles muitas casas, e familias para melhor defensa? da Republica, e conserva?a? das gera?oens. E assim n?o difere esta ley, que digo se fa?a, daquella da Ordena?a?, que j? est? feita, se na? em me parecer, que seja esta muito mais larga. Porque a Ordena?a? diz, que isto s?mente haver? lugar, quando hum dos Morgados renda quatro mil cruzados, o que parece cousa muito larga, e pouco contingente: e assim o vemos, porque depois, que se fez, at?gora na? se praticou, por haver muito poucos Morgados neste Reyno, que cheguem a esta quantia de renda: e al?m disto acontecer? poder hum s? particular ter quatro, e cinco Morgados, que cada hum delles na? chegue a 4U. cruzados de renda; e assim na? ficar obrigado a deixar a seu irma? mais mo?o nenhum delles, e ficar por este modo frustrado o intento da ley, que foy na? se ajuntarem as Casas, nem ser hum s? particular possuidor de grande, e excessiva renda. Porque em huma Republica mais convem haver muitos Morgados, e Casas, que commodamente se possa? sustentar, que haver poucos, que tenha? em si muitas Casas destas, e seja? por isso muito ricos. Pois vemos por experiencia, que os que destes tem dez, ou doze mil cruzados de renda, nem por isso sustenta? tanta familia junta, como sustentaria? os successores dos Morgados, que elles em si tem juntos; antes ordinariamente vivem empenhados pelos muitos, e exorbitantes gastos, que fazem desnecessarios em jogos, moveis, edificios, e outras cousas, que na? pertencem ? necessaria, e conveniente sustenta?a? de suas pessoas, da qual s?mente tratara?, se tivera? menos renda.
He outro si esta uni?o de Casas, e Morgados occasia? de muitos gastos desnecessarios na Republica. Porque como todos particularmente deseja? de se igualar com os outros de sua qualidade, hum s?, que tenha muita renda, com os demasiados gastos, que faz, quasi, que obriga aos outros a gastarem o que na? p?dem, por se na? mostrarem inferiores.
Pelas quaes razoens seria de parecer, que esta nossa Ordena?a?, quanto ao que dispoem de render hum dos Morgados 4U. cruzados se estenda, em que baste render hum Morgado 2U. cruzados, para o filho segundo ter logo direito de herdar o outro. E quando acontecer, que se ajuntem trez Morgados, ou mais; e que dous delles renda? os ditos 2U. cruzados, o filho segundo possa logo succeder no outro.
Deste remedio se seguir? logo acharem-se muitos casamentos convenientes para mulheres Fidalgas, e Nobres, e que na? seja? necessarios ta? grandes dotes para poderem casar. Porque a raza? de se pedirem grandes dotes, he haver muitas mulheres para casamentos, e poucos homens, por nelles estarem juntos, e unidos ordinariamente muitos Morgados. E daqui vem, que se lhe na? querem dar grandes dotes, na? querem casar, porque acha? muitas mulheres, que pretendem casar com elles. Por onde nos vem a acontecer o contrario do que succede em toda Africa, Asia, e boa parte de Europa, onde sabemos, que casa? todos com as mulheres sem dote algum; antes entre elles he ordinario comprallas a seus pays; porque como cada hum tem muitas mulheres, fica havendo grande falta dellas; e por isso na? sa? necessarios dotes.
O prejuizo, que causa a grandeza dos dotes ? Nobreza deste Reyno, he cousa ta? notoria, que j? se pedio o remedio deste danno nas Cortes de 619. e a Sua Magestade, que Deos guarde, nas do anno de 641. pelo Estado dos Nobres. E Sua Magestade proveo em parte a este inconveniente, como se v? na declara?a?, que fez ao cap. 31. do Estado da Nobreza a fol. 82. destas Cortes, e suas repostas impressas, mandando, que se fizesse huma ley, para que os dotes na? passassem de 12U. cruzados, na? entrando nesta conta as legitimas, e heran?as. Esta determina?a? fora muito justo, que se executasse; por?m como as penas sa? para a Fazenda Real, sa? de muito pouco effeito, porque os Principes, nem seus Ministros na? attendem a estas miudezas. Por tanto importa, que as penas seja? para os outros filhos, e filhas, a quem se faz o danno, dando-se muito mais a hum, que aos outros. Pelo que em corrobora?a? deste ta? importante intento se poderia? ordenar os meyos seguintes, com que se acabaria? mais casamentos convenientes para as mulheres nobres, e fidalgas.
O primeiro he fazer-se outra ley, que nenhum pay, ou m?y possa dotar a huma filha mais, que a legitima da filha, e da sua ter?a a parte, que pro rata lhe couber: convem a saber, se tiver duas filhas, ametade da ter?a, e se tiver trez filhas, a ter?a parte da ter?a, e assim das mais: e que isto se observe com as mesmas condi?oens, com que hoje na? p?de o pay dotar mais, que a ter?a a huma filha. Porque deste modo haver? muito mais commodidade para se casarem muitas mulheres. Nem contra isto se p?de dizer, que se assim for, na? querera? os homens casar com ta? pequenos dotes, porque como todos forem desta sorte, for?osamente os ha? de aceitar, como vemos, que acontece hoje a todos os Morgados, os quaes ainda que tenha? muitos mil cruzados de renda, nem por isso pretendem mulheres ta? ricas, como elles; pois he cousa averiguada, que nos casamentos nobres sempre os homens sa? os mais ricos; e por isso lhes he for?ado aceitarem os dotes, que c?mummente se acha?, que de ordinario na? vem a montar a ter?a parte das rendas dos Morgados, e ainda estes sa? os mayores. Pelo que na? se achando enta? outros dotes de mayor quantia, for?ado ser?, que se aceitem estes: e assim haver? mais possibilidade para se dotarem as filhas. E para que se na? possa frustrar o intento da ley com os pays meterem as filhas freiras, concertando-se com os Mosteiros, que na? herdem mais, que os dotes, que lhes derem na entrada para effeito de poderem mais dotar ? filha, que s?mente querem casar, se deve de prohibir, que na? valha? semelhantes contratos feitos com os Mosteiros, sena? quando o pay, ou m?y, que os fizer, tiver primeiro casado duas, ou trez filhas, porque deste modo parece, que se atalhar? a fraude, que a esta ley se p?de fazer.
O terceiro, e ultimo meyo parece, que podia ser, quando Sua Magestade prov? officios grandes, e rendosos, e algumas Commendas de muitas rendas, que seja com clausula de casarem os despachados com as filhas de Fidalgos, que Sua Magestade nomear: porque deste modo se fica? accommodando muitas destas Donzellas sem custo de seus pays, nem delRey. E assim como Sua Magestade costuma ter neste Reyno muitos lugares em Mosteiros para Freiras; parece convenientissimo, que tenha outros muitos mais para estes casamentos, pois delles resulta? ta? grandes bens a este Reyno. E do mesmo modo devia Sua Magestade de applicar outros lugares menores de Officios, e Commendas para as filhas de outras pessoas Nobres, e de menor qualidade. E posto que qualquer destes meyos parece efficaz para se remediar o mal de que tratamos; com tudo todos trez juntos devem fazer muito mayor, e mais notavel effeito.
NOTAS DE RODAP?:
He ta? necessaria a conserva?a? das cousas, que igualmente as produsio a natureza com os meyos convenientes para sua defensa?. Isto vemos na? s? na contrariedade, com que os Elementos repugna? huns aos outros para se conservarem; e nas plantas, muitas das quaes a natureza defendeo, armando as de espinhos nos troncos, nos ramos, nas folhas, e nos pomos; mas mais manifestamente nos animaes, aos quaes na? s? a natureza deo armas, com que se defendessem, mas ainda lhes communicou conhecimento para se unirem os de cada especie, e particulares astucias, com que se defendessem melhor de seus inimigos. Desta militar industria, com que a mesma natureza creou aos brutos animaes, se v? claro, qua? necessarios sa? os soldados na Republica, pois sem a for?a da Milicia na? p?dem permanecer as leys, nem professar-se as sciencias, ou exercitarem-se as artes, nem finalmente conserva-se a paz, e liberdade. Por tanto hum dos mayores castigos, com que Deos amea?ava antigamente seu povo, era dizendo-lhe, que deixaria aquella Republica sem Capitaens, e Soldados.
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