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Read Ebook: Os Simples by Junqueiro Ab Lio Manuel Guerra

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Ebook has 264 lines and 10972 words, and 6 pages

Ronronando ao lume, dorme o c?o e o gato. Almas misteriosas, em que sonhar?o?... Como que n'um dubio lusco-fusco abstracto, De ter sido tigre lembra-se inda o gato?... De ter sido hiena lembra-se inda o c?o?...

Eis as brasas mortas... Eil-o j? converso O castanheiro em cinza, em fumo v?o, em luz... Luz e fumo e cinza tudo ir? disperso Reviver na vida eterna do universo, Circulo de enigmas, que ninguem traduz...

Sempre, sempre, sempre, cinza, fumo e chama Viver?o, morrendo a toda a hora... sempre!... Nuvem que troveja, calix que enbalsama, Planta, pedra, insecto, humanidade, lama, Ser?o tudo, tudo!... inconcebivel!... Sempre!

Mas a alma, as almas quem as ha criado? Qual a origem d'onde a sua essencia emana?... Ah, em v?o levanto o triste olhar magoado Para os olhos d'ouro que do azul sagrado Lan?am as estrellas ? miseria humana!...

Oh em v?o!... que os astros, onde em sonho habito, S?o tambem fogueiras sobrenaturaes, Que na pavorosa noite do Infinito Crepitando espalham seu clar?o bemdito, Suas alvoradas roseas, virginaes,

Para em torno d'ellas se aquecerem mundos A tremer com frio, a solu?ar com dor, Miseraveis monstros cegos, vagabundos, Atravez d'eternos turbilh?es profundos, N'um virtiginoso, angustioso horror!...

E ardam astros d'oiro, ou ardam castanheiros, No Infinito imenso ou n'um tugurio assim, Fica a mesma cinza d'esses dois braseiros, Atomos errantes, sonhos v?os, argueiros Na inconsciencia calma da amplid?o sem fim!...

E o mundo e os mundos a girar na altura Como v?s, ? velhos, morrer?o tambem... Blocos de materia fria, sem verdura, Errar?o na vaga imensidade escura, Cemiterio d'astros que nem cruzes tem!...

Dormir?o? oh, nunca!... v?o eternamente Circular na eterna vida universal: Nebulosa fluida, lavareda ardente, Lodo, o mesmo lodo, como antigamente, Com os mesmos dramas entre o Bem e o Mal!...

Formas da materia, que eu em v?o desnudo, Que invisiveis for?as, e almas encobris? Quem o sabe? A Morte, que conhece tudo... Mas o enigma impresso no seu labio mudo S? na treva aos mortos ? que a morte o diz!...

S? a Morte o sabe... mais a F? que abrasa, Que penetra as coisas com o seu olhar! N?o ha f? na alma, n?o ha luz na casa... A ras?o ? um verme, mas a cren?a ? aza... Verme! aos infinitos poder?s chegar!...

? velhinha santa, minha boa amiga, Resa o teu rosario, move os labios teus!... A ora??o ? ingenua? Vem de cren?a antiga? N?o importa! resa, minha boa amiga, Que ora??es s?o lingoas de falar com Deos!...

Ha pedintes cegos de inspiradas frontes, Com estrellas n'alma, com vis?es mentaes, Que atravessam rios, que v?o dar com fontes, Que andam por agrestes, solitarios montes, Sem errar a estrada, sem cahir jamais!...

Pelos bosques ermos, onde venta e neva, Com os seus farrapos mais o seu bord?o, Marcham por milagre na continua treva... Oh, dizei, dizei-me quem os guia e leva? Que prodigio oculto? que invisivel m?o?

Pois, velhinha branca, tua cren?a pura, Tua resa antiga, que me faz chorar, ? egual aos cegos, que na noite escura N?o precisam d'astros para ver a altura, N?o precisam d'olhos para ter olhar!

No Infinito mudo tua ingenua cren?a, Tremula ceguinha de risonho alvor, Eil-a andando, andando, como que suspensa, Pelos descampados d'uma noite imensa, Vastid?es d'assombros, amplid?es d'horror!...

E onde a aguia, o genio de pupila ovante, Tem vertigens, auras, desfalece e cae, A ceguinha debil, vagabunda, errante, D'olhos ?s escuras. Infinito adiante, N'um enlevo aereo perpassando vae!...

Branca e pequenina, ligeirinha e leve, Corta por abismos, plagas sem faroes, Stepes infindaveis que ninguem descreve, Lugubres desertos de mudez e neve, Bategas de brasas, turbilh?es de soes!...

Vae andando, andando, t? que emfim cercada D'uma aleluia mystica de luz, Com o bord?osinho que a amparou na estrada Bate ?s portas d'oiro da feliz morada, Presbiterio d'Almas, onde est? Jesus!...

Vem um anjo abril-as; a ceguinha mansa P?e-se de joelhos, em adora??o... Diz-lhe o anjo:--Toma, guarda esta lembran?a: Uma palma d'astros, a luzir Esp'ran?a, Que ? velhinha humilde levar?s na m?o!

E, ave pressurosa recolhendo ao ninho, J? com alimento para os filhos seus, Eil-a que regressa por egual caminho, E vem dar-te, ? santa, c?r de jaspe e arminho, T?o amada ofrenda que te envia Deos!...

Resa esse rosario, santa lagrimosa! Sobre os teus joelhos deixa-me deitar! Triste da minh'alma!... v?, que desditosa!... Unge-m'a de ben??os, m?o religiosa!... Cobre-m'a de gra?as, cristalino olhar!...

Resa-lhe baixinho, minha boa amiga! Resa-lhe rosarios de ora??es ideaes! Morta de miseria, morta de fadiga, Deixa que ella durma na pureza antiga... Que ella durma... sonhe... e n?o acorde mais!...

EIRAS AO LUAR

Alvor da lua nas eiras, Nem linhos de fiandeiras, Nem veos de noivas ou freiras, Nem rendas d'ondas do mar!... Sobre espigas d'ouro bailam as ceifeiras, Na aleluia argentea do clar?o do luar!...

Bailae sob as lagrimosas Estrellinhas misteriosas, Scintila??es, nebulosas, Fremitos vagos d'empyreos!... Deos golpeia a aurora p'ra dar sangue ?s rosas, Deos ordenha a lua p'ra dar leite aos lirios!...

Ai, medas de prata e oiro, De lua branca e p?o loiro, Malhadas no malhadoiro, A enfeiti?ar e a fulgir!... Oh, bailae ? volta d'esse bom tesoiro, Que ? a codea negra que ceaes a rir!...

Quem nas ladeiras e prados, Com as lan?as dos arados, Abriu sulcos e valados Na terra gelida e nua? Oh, bailae ? volta desses bois deitados, Que est?o d'olhos tristes adorando a lua!...

Que bandos de passarinhos, Vem l? de campos maninhos, De fraguedos, de caminhos, Jantar aqui, merendar!... Oh, bailae em volta de milh?es de ninhos! Oh, bailae cantando para os acordar!...

Entre as palhas do centeio, Quantas esmolas no meio, Que deixam lirios no seio E as m?os escorrendo luz!... Oh, bailae em volta do celeiro cheio! Oh, bailae ? volta dos mendigos nus!...

Quanta hostia consagrada, --P?o da ultima jornada!-- Dorme na meda encantada Ao luar t?o leve e t?o lindo!... Oh, bailae em volta d'essa m? doirada, Que bailaes ? volta de Jesus dormindo!...

Alvor da lua nas eiras, Nem linhos de fiandeiras, Nem veos de noivas ou freiras, Nem rendas d'ondas do mar!... Oh, bailae ceifeiras, lindas feiticeiras, Na aleluia argentea do clar?o do luar!...

Setembro--91.

AS ERMIDAS

Alvas ermidinhas sob azues maguados, Vejo-vos de longe n'uma adora??o, Como ninhos brancos de Ideal pousados L? n'esses fragosos montes escalvados, Onde n?o ha agoa, nem germina o p?o.

Serranias ermas, solid?es contritas... Azinheiras como velhos Briarcus.... Pedras calcinadas... gados parasitas... Tristes montes ermos! ermos cenobitas, Que em burel d'estevas amortalha Deos!...

Pelas torvas, fundas noites de invernada, Quando os lobos uivam, quando a neve cae, Que infinitos sustos n'uma tal morada, Para debil virgem t?o desamparada Com um inocente nos seus bra?os... ai!

Como ? que n?o treme pelo seu menino? Como ? que n?o chora seu piedoso olhar? Como ? que o seu labio, fresco e matutino, Se abre n'um sorriso, precursor divino Da estrellinha d'alva quando vae raiar?!

N?o receia feras quem de rosto ledo Sofre sete espadas sobre o cora??o!... E ao filhinho a noite n?o lhe causa medo, Deu-lhe Deos o mundo para seu brinquedo, Como um fructo d'oiro tem-no ali na m?o!...

L? nos altos montes sem trigaes, nem vinhas, Sem o bafo impuro que dos homens vem, ? que a m?e de Christo com as andorinhas, E as estrellas d'oiro mesmo ali visinhas, N'um casebre terreo se acomoda bem.

Bispos n?o precisa; servem-na pastores, Capel?es d'ovelhas, mais o seu zagal... Lampada ?s Trindades, ch?o varrido, flores, Nada falta ? Virgem, m?e dos pecadores, N'uma egrejasinha que ? como um pombal.

E nas brutas, rudes solid?es t?o calmas Ai, muito se engana quem a julga s?! Entre o luar dos hinos e o verdor das palmas, Para l? caminham romarias d'almas... Todos n?s l? fomos com a nossa av?!...

Oh, as invisiveis prociss?es piedosas, Romarias fluidas, sobrenaturaes! Por onde ellas marcham, brancas, vaporosas, Fica nos espa?os um alvor de rosas E uma angelisante tremulina d'ais!...

Almas de velhinhas, do palor silente D'uma estrella, quando desmaiando est?... V?o buscar alivios p'ro netinho doente, V?o pedir noticias d'algum filho ausente, V?o rogar a Gloria para os mortos j?...

Almas de meninos, loiras como abelhas, A sorrir ao colo d'almas a cantar... Almas em noivados, roseas e vermelhas... E almas de pastores ofertando ovelhas, Chocalhinhos d'astros, velos de luar...

Almas d'assassinos dos montados ermos, Com o seu remorso como um javali... Almas de mendigos, d'aleij?es, d'enfermos... Almas vagabundas, de perdidos termos, Que atravessam agoas p'ra chegar ali!...

Almas das corolas matinaes, dos ninhos, Das aradas verdes, da campina em flor... Almas de borregos, touros, passarinhos... E almas, sim! das urzes e hervas dos caminhos, Porque at? nas fragas dorme o Sonho e a Dor!...

E essas almas todas ella apasigua Com o dos seus olhos balsamo eficaz: Verte sobre as penas sugest?es de lua, Mantos d? d'estrellas ? miseria nua, Lagrimas aos crimes e ao remorso paz...

Esconjura demos, bruxas, feiticeiras, E dos sonhos loucos o torpor febril... D? verdura aos gados, chuva ?s sementeiras, Faz bailar as mo?as ao luar nas eiras, Faz fugir os lobos vendo o seu candil.

Mas tambem ha almas, pobresinhas d'ellas! Que ? romagem d'oiro n?o acodem j?! Almas moribundas... Noites de procellas... Olha nos casebres tremeluzem velas!... ? signal que a Morte anda a rondar por l?!...

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