Read Ebook: O poeta Chiado (Novas investigações sobre a sua vida e escriptos) by Pimentel Alberto
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abaes na rua Direita da Porta de Santa Catharina>> e que houve renova??o do prazo no tempo da viuva, segundo ella requereu e obteve.
A referida cal?ada ? descripta em documentos antigos como sendo--de Payo de Novaes--Pai de Navaes ou--Pai de Nabaes.
Por este fragmento, que reproduzimos, reconhece-se que a cal?ada de Pai de Nabaes ficava ao fundo do Chiado actual, entalada entre o palacio do conde de Valladares e a egreja do Espirito Santo, e que foi do predio ahi situado, onde residira Gaspar Dias, que se alastrou o nome de Chiado para um trecho apenas da rua Direita da Porta de Santa Catharina, conservando esta rua o seu antigo nome desde a Cordoaria Velha at? propriamente ? porta de Santa Catharina, isto ?, at? ao Loreto moderno.
A Cordoaria Velha correspondia ? rua de S. Francisco, hoje rua Ivens.
Seria em casa de Catharina Dias a Chiada que o poeta Antonio Ribeiro se hospedou. N?o pod?mos admittir que fosse o marido d'ella que d?sse o nome ? rua, a qual no tempo da viuva ainda tinha a designa??o antiga e total--de rua Direita da Porta de Santa Catharina.
Pode ser que o poeta recebesse da propria casa de Pai de Nabaes, como seu hospede ou freguez, a alcunha de Chiado, tanto mais que esta alcunha lhe quadrava como astuto e ladino, e que elle, segundo uma accusa??o de Affonso Alvares, se dava a frequentar lojas de bebidas:
E tu queres ser rufi?o e beber como francez.
Pode ser que fosse parente, adherente ou intimo da viuva de Gaspar Dias, e que por parte do povo tambem houvesse malicia em dar ao commensal a alcunha que pertenc?ra ao marido.
A tradi??o diz que o poeta morou n'aquella rua e, segundo a maior certeza possivel, parece poder agora ficar assente que foi elle, pela notoriedade de que gosou, devida a suas ribaldarias e veia comica, que deu o nome ? rua.
Em resumo: antes do poeta a rua n?o tinha o nome de Chiado.
J? agora seja-me permittida uma divaga??o, que reputo interessante, a respeito do sitio do Chiado, que o nosso poeta tornou famoso.
Eu disse que a cal?ada de Pai de Nabaes ficava entalada entre o palacio do conde de Valladares e a egreja do Espirito Santo da Pedreira.
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A egreja e hospital do Espirito Santo est?o actualmente substituidos, no mesmo local, pelo moderno palacio da familia Barcellinhos.
A egreja era muito antiga, pois que no anno de 1279 j? tinha sido fundada.
Junto ao templo, e com serventia para elle, havia o hospital do Santo Espirito, que albergava permanentemente doze pessoas necessitadas, entre as quaes <
A bem dizer, era mais um recolhimento do que um hospital.
E assim foi at? o anno de 1672, em que os padres da Congrega??o do Oratorio, que se tinham instituido alli perto, no sitio das Fangas da Farinha, ? rua do Almada, tiveram auctoriza??o para tomar conta do hospital do Santo Espirito, onde passaram a estabelecer-se dois annos depois.
Alli permaneceram os oratorianos, tranquillos e contentes. Mas por occasi?o do terremoto de 1755 a egreja e convento arderam, perdendo-se os preciosos haveres d'aquelles padres. A congrega??o transferiu-se ent?o para o convento das Necessidades, que ? hoje palacio real.
Ficaram apenas de p? as paredes dos dois edificios incendiados.
No frontispicio da egreja havia grandes columnas de cantaria, que o leitor ainda hoje pode ver... aonde?
Aonde? N?o em outro templo, mas na fachada de um theatro, porque as pedras tambem teem seus fados. Estas transitaram, por caprichoso destino, do sagrado para o profano. Est?o agora na frontaria do theatro de D. Maria II; s?o as mesmas columnas da egreja do Espirito Santo.
O leitor n?o acreditaria esta noticia, se eu n?o pudesse comproval-a com um documento authentico.
Mas posso. Ahi vai o documento, que, por ser curioso, n?o quero que fique esquecido entre os meus papeis velhos:
Pois n?o ? interessante o destino d'estas columnas?
Procurei saber quando foi que entraram em deposito no Arsenal de Marinha, e quando sahiram de l? para o theatro.
Metti de empenho o meu illustre amigo sr. conde de Pa?o d'Arcos, que gentilmente, como sempre costuma, se interessou pela minha solicita??o. Fez-se a pergunta ao Arsenal. Passaram mezes. N?o veiu resposta. N?o era negocio de expediente ordinario; ficou para traz. Pois deixal-o ficar; eu ? que vou andando para deante, j? aborrecido de esperar.
E agora tornemos ao nosso poeta.
A popularidade de Antonio Ribeiro o Chiado proveiu n?o tanto da sua veia poetica, ali?s muito apreciada pelos entendidos, como das suas repetidas tunantadas, de que o povo tinha directo conhecimento, porque as presenceava em plena rua.
Era entre o povo, entre as classes humildes de que elle provinha, porque l? diz Affonso Alvares no proposito de deprimil-o
Nasceste de regateira e teu pai lan?ava solas;
era entre a arraya miuda que o Chiado localizava o theatro das suas fa?anhas picarescas, dos seus feitos esturdios, das suas <
Um c?dice do Archivo Nacional, de que s? agora tive conhecimento, revela algumas das suas estroinices e chala?as, que n?o ficam a dever nada ?s mais gaiatas e desbragadas de Bocage.
? uma interessante collec??o de anecdotas, que deve ser anterior ao anno de 1617 e pertenceu ? livraria do mosteiro de S. Vicente.
Vamos passar em revista as paginas que n'essa miscellanea dizem respeito ao Chiado; e, onde f?r preciso, lan?aremos um v?o por decencia sobre as anecdotas que entrarem no dominio da pornographia.
? claro que a palavra--v?o--n?o promette mais do que um anteparo di?phano.
Quiz o poeta comprar a uma regateira um peixe de estima??o. Offereceu-lhe apenas 7 r?is e meio. Volveu-lhe a regateira por escarneo:
--Tomal-o-heis com um trapo quente.
N'esta resposta havia tanto desdem, que picou fundo o Chiado; certamente elle se teria do?do menos de uma descompostura destemperada, como aquellas que as peixeiras de Lisboa n?o precisam ensaiar-se para desfechar na cara de toda a gente. Mas a ironia, o desprezo da r?plica, abespinhou-o; suggeriu-lhe um plano de vingan?a, que logo poz em execu??o.
Disfar?adamente aproximou-se do fogareiro de alguma assadeira de castanhas ou quejando mister. Aqueceu um trapo, o primeiro que se lhe deparou, e apossou-se violentamente do peixe, empregando o trapo na tomadia.
A varina fez a sua queixa. Chiado ponderou a circumstancia de se haver apoderado do peixe com um trapo quente, condi??o imposta pela peixeira. Decis?o da justi?a: que o poeta pagasse os 7 r?is e meio que offerecera, e ficasse com o peixe, pois que a condi??o do trapo havia sido satisfeita, ficando salva a f? do contrato.
Era o Chiado ainda frade franciscano--porque depois despiu o habito por indisciplina ou lh'o despiram por castigo--e come?ou a embirrar uma vez com o magro caldo de lentilhas, que lhe deram no refeitorio.
Vai isto de acc?rdo com a proverbial pobreza dos franciscanos.
Remexendo no caldo, n?o encontrou mais que uma lentilha. Pareceu-lhe pouco nutritivo o singular, e come?ou a despir-se, como se quizesse atirar-se a um charco. Reprehenderam-n'o com estranheza. Elle explicou: que tinha visto apenas um legume no fundo da tigela e que o queria tomar de mergulho.
Fingiu-se acossado pela justi?a e, correndo direito aos faias pediu-lhes que fizessem roda para o livrar de ser preso. Cahiram no langar?, elles, e cerraram-se em parede, de modo que o supposto fugitivo n?o pudesse ser visto. Passado algum tempo, o Chiado parte agradecendo, e s? depois foi que, pelo olfacto ou pelos olhos, os logrados reconheceram o logro.
N?o havia aposta br?jeira que lhe n?o propozessem, e que elle n?o acceitasse.
Se seria capaz de a?oitar um vinagreiro que ia passando com dois ?dres sobre a mula? Que sim. Dito e feito. Acercou-se do vinagreiro e disse-lhe que desatasse um dos ?dres, pois queria provar o vinagre. Tomou um bochecho e fez cara de n?o achar bom. Exigiu provar do outro ?dre, segurando elle proprio no que j? estava desatado. De repente finge v?r alguem ao longe ou querer acudir de prompto a qualquer incidente. Passa o ?dre ao vinagreiro, que ficou com um em cada m?o, ambos desatados. E ent?o come?a a a?oitar o pobre homem, que n?o poderia defender-se sem deixar perder o vinagre.
Conchavou-se o Chiado com outros tunantes da for?a d'elle para engarampar um vill?o, que veiu a Lisboa comprar trigo. Disse-lhe que se queria trigo bom o n?o podia achar melhor que o de um seu irm?o, em certa nau que estava ? descarga; que fosse a bordo compral-o, mas que para n?o sujar o sombreiro e a capa lh'os deixasse alli no caes, onde o ficaria esperando. O vill?o pagou logo sete tost?es pelo trigo, e deu a capa e o sombreiro a guardar. Foi a bordo, em cabello e corpo bem feito. Mas disseram-lhe l? que n?o tinham commissario em terra, e que s? faziam negocio com dinheiro na palma da m?o. Voltou o homem ao caes, e j? n?o viu o Chiado; encontrou, por?m, os outros guilhotes, os quaes lhe deram uma carta de quita??o que o Chiado deix?ra para o parocho do basbaque, explicando tudo. Ora a carta dizia:
Jo?o Pires do Outeiro Me deu a capa e o sombreiro, Sete tost?es em dinheiro, E mais me dera Se mais tivera.
N?o tendo que jantar um dia, lobrigou certo mancebo a comprar peixe na Ribeira. Chegou-se a elle, dizendo ser grande amigo de seu pai. Sob esta c?r o convidou a jantar. Foram os dois, mano a mano, para o local que o Chiado indicou. Ahi, disse lhe que poizasse o peixe, que logo se cozinharia, e que f?sse buscar qualquer temp?ro que faltava. Quando o ing?nuo mo?o tornou, j? n?o viu o Chiado nem o peixe.
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