Read Ebook: O poeta Chiado (Novas investigações sobre a sua vida e escriptos) by Pimentel Alberto
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Ebook has 200 lines and 12991 words, and 4 pages
N?o tendo que jantar um dia, lobrigou certo mancebo a comprar peixe na Ribeira. Chegou-se a elle, dizendo ser grande amigo de seu pai. Sob esta c?r o convidou a jantar. Foram os dois, mano a mano, para o local que o Chiado indicou. Ahi, disse lhe que poizasse o peixe, que logo se cozinharia, e que f?sse buscar qualquer temp?ro que faltava. Quando o ing?nuo mo?o tornou, j? n?o viu o Chiado nem o peixe.
D'outra vez chamou um polhastro e industriou-o a fingir-se vendilh?o, levando no fundo de uma panela excremento humano. O rapazola apregoava, como o Chiado lhe ensinou: <
Vem agora uma anecdota geralmente attribuida a Bocage, mas que n?o p?de ser sua, pois que o manuscripto d'onde a tomamos ? anterior a 1617 e portanto quasi seculo e meio anterior ao nascimento de Bocage.
Entraram ratoneiros em casa do Chiado, e levaram-lhe o melhor que tinha. Elle viu-os a tempo de poder gritar por soccorro; mas, em vez de bradar, poz ?s costas o refugo que lhe deixaram e foi-os seguindo derreado sob a carga. Os gatunos, espantados, fizeram alto e perguntaram-lhe para onde ia. O Chiado respondeu tranquilamente: <
Quando alguem queria engendrar uma br?jeirice, ia ter com o Chiado, que era padre-mestre na materia.
Por isso o consultaram certos vaganaus sobre a <
Aconselhou os o Chiado a que, logo que entrasse alguma nau ingleza, lhe dessem aviso.
Chegou a occasi?o, veiu um navio inglez e o Chiado, fingindo-se fidalgo, foi a bordo com alguns d'aquelles tunantes, que dizia seus criados.
Propoz ao capit?o da nau que lhe comprasse um escravo mulato, que era robusto para o trabalho do mar, mas que n?o podia amansar em terra.
Fez-se o ajuste, sob condi??o de que o escravo iria ? mostra.
Os outros pic?es levaram-n'o a bordo, e como agradasse aos inglezes, logo receberam d'elles o pre?o que f?ra combinado.
Protestou o mulato n?o ser captivo, mas n?o foi acreditado, visto terem-lhe posto fama de soberb?o. Quiz reagir ? viva for?a, mas lan?aram-lhe ferros, visto saberem n'o valente. E teria ido mar em f?ra, como escravo, se a justi?a, informada da occorrencia, o n?o fosse libertar a bordo, obrigando os vaganaus a restituir o dinheiro recebido dos inglezes.
N?o houve mais nenhum outro procedimento da justi?a contra o inventor e executores d'esta tunantada, que aos proprios magistrados pareceu graciosa.
O Chiado sahiu incolume, porque foram os socios que pagaram por elle, e porque a justi?a prohibiu ao mulato que tirasse qualquer desf?rra.
Palavras textuaes do manuscripto: <<...com pena de morte ao negro, que sobre aquella gra?a com o Chiado n?o entendesse, pois f?ra t?o bem achada a gra?a.>>
Tal era a cota??o da jocosidade do poeta, que at? a justi?a se lhe rendia; a natureza dera ao nosso bohemio todos os predicados de gracioso, incluindo a facilidade de imitar simultaneamente as vozes de muitas pessoas.
Tinha o Chiado em casa um pote onde fazia os despejos. Um dia lembrou-se de lhe p?r um tamp?o e embreal-o exteriormente no bocal e no bojo, de modo a parecer vasilha para exportar. Chamando depois quatro mariolas, encommendou-lhes que levassem aquelle pote de conservas ? Ribeira, que o queria embarcar, e que esperassem l? por elle para lhes pagar o frete.
Como o Chiado n?o tornasse a apparecer, foram os carrej?es avisar a justi?a e requerer que lhes entregasse o pote por indemnisa??o de seu trabalho.
Sendo-lhes entregue como cousa perdida, destaparam-n'o <
Conheciam-n'o pelo dedo--como gigantesco entre os mais preeminentes foli?es do seu tempo.
Para concluir o extracto do manuscripto, que nos fornece todas estas anecdotas, resta dizer que passando o Chiado pela porta da S? viu um grupo de muchachos e, dando-lhes atten??o, ouviu-os dizer:
--Eu tom?ra ser bispo.
--Eu tom?ra ser p?pa.
--Eu tom?ra ser rei.
O Chiado, acercando-se d'elles, interpellou-os dizendo:
--E sabeis v?s o que eu tom?ra ser?
--?...
--Tom?ra ser mel?o para me beijardes... no sitio em que se beijam os mel?es.
Com a differen?a que elle falou mais claro do que eu.
Aqui terminam os elementos anecdoticos fornecidos pelo manuscripto para a reconstitui??o da biographia picaresca do poeta Chiado.
Mas estes, que j? n?o s?o poucos, bastam a egualar o Chiado com Bocage em materia de br?jeirices e tunantarias.
Entre as produc??es literarias de Chiado, que eu n?o pude encontrar em 1889, havia uma, que, pouco tempo depois, veiu casualmente ao meu encontro.
<
Achei-a em copia n'uma miscellanea, que pertenceu ao convento da Gra?a, de Lisboa, e que eu comprei ao Rodrigues do Pote das Almas por dez tost?es. Se exceptuarmos a carta de Chiado, a miscellanea vale pouco. Mas eu, folheando-a, li o titulo da carta, passei-a rapidamente pela vista, reconheci que o texto concordava com o titulo, e adquiri logo o livro, que o Rodrigues teria vendido mais caro se pudesse adivinhar a ras?o por que eu o comprava.
D'isso era elle capaz, Deus lhe fale na alma.
Antes de transcrever a carta que o Chiado escreveu a um seu amigo de Coimbra, preciso esclarecer o leitor sobre o assumpto que a inspirou e o momento em que foi escripta.
A princeza entrou em Portugal no fim de novembro de 1553.
Francisco de Andrade diz que foi em 1552; Pedro de Mariz que foi em 1554. Mas a carta de Chiado, que merece f? por ser um documento da epoca, fixa o anno de 1553.
El-rei mandou que fossem buscal-a ? fronteira D. Jo?o de Lencastre, duque de Aveiro, e o bispo de Coimbra D. Frei Jo?o Soares, os quaes se fizeram acompanhar de pessoas de categoria, entre as quaes D. Affonso de Lencastre e D. Luiz de Lencastre, irm?os do duque de Aveiro.
Na fronteira, D. Diogo Lopes Pacheco, duque de Escalona, e D. Pedro da Costa, bispo de Osma, fizeram entrega da princeza aos embaixadores portuguezes.
O professor Manuel Bento de Sousa poz em relevo a fatalidade pathologica que desde o ber?o condemnou D. Sebasti?o aos desatinos que veiu a praticar em detrimento e ruina do paiz.
< < < Sobre a inconveniencia physiologica dos casamentos consanguineos, repetidos de gera??o em gera??o entre as casas reaes de Portugal e Hespanha, vieram accumular-se, pelo enlace do principe D. Jo?o com a princeza D. Joanna, as taras hereditarias da epilepsia e da loucura que os dois desposados, primos co-irm?os, tinham recebido dos seus proximos ascendentes communs. A m?e de D. Sebasti?o deu provas de uma exaltada hysteria, com allucina??es pavorosas, durante o periodo da gravidez. Este casamento precipitou a morte do principe D. Jo?o e aggravou as taras da princeza D. Joanna. Eram duas crean?as, ella de 18 annos elle de 16, doentes dos mesmos vicios constitucionaes, e apaixonados um pelo outro. N?o conheceram limites ?s suas rela??es amorosas, entregaram-se a uma < D. Joanna tinha nascido a 23 de junho de 1535. D. Jo?o nasceu em Evora a 3 de junho de 1537. O principe ardia n'um fogo de voluptuosidade, que o devorou prematuramente. Foi preciso separal-o da princeza, mas j? era tarde. Estava perdido na flor dos annos.
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