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Read Ebook: Cidades e Paisagens by Lima Jaime De Magalh Es

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Ebook has 229 lines and 22028 words, and 5 pages

? vozeria da rua, ? confus?o dos preg?es e ao labutar dos mercadores succede o aprumo dos continuos e um caminhar pausado e surdo sobre tapetes, cortado de breves notas estridentes, ao sacudir das esporas.

Berlim ? a antecamara d'um imperador; muita farda e um grande silencio, sempre armada e sempre calada, perpetuamente preoccupada da for?a e da auctoridade. Sobre a cidade pesa um bra?o de ferro, a multid?o abdicou nas m?os de uma vontade; s? ella a move.

A gra?a e a elegancia, a vivacidade e o riso foram banidos; o povo vai taciturno e lento.

?s vezes p?ra, observa, contempla; luziu-lhe no cora??o um momento de aurora e sorriu. Olhava o retrato do imperador diante de tres crian?as, seus filhos, em continencia militar; e tirou uma vibra??o de jubilo, ingenuo, intimo, d'onde n?s tirariamos uma gargalhada a tombar o maior dos cesares. O seu primeiro museu ? o de artilheria; levam-se alli as crian?as, collegios inteiros, a v?r os canh?es francezes rasgados como um farrapo pela metralha do Krupp. Um criado de hospedaria que diante da qualquer se curva at? ao ch?o, perante um capit?o ou um coronel dobra-se attonito, fulminado.

A piedade e a do?ura, revelada no affecto da mulher, para que? A mulher ? um animal, a sua lei a escravid?o. Se n?o fosse... poderia supprimir-se, n?o representa nada.

A Allemanha, que Berlim nos mostra, afigura-se-me um elephante, a intelligencia e a for?a em um corpo informe. Toda a sua alma crystallisou n'esta aspira??o--ser forte, invencivel.

Conta-se que Cellini, para fundir n?o sei qual das suas estatuas, lan??ra no fogo toda a baixella; a Allemanha de hoje fundiu n'um s? sentimento todas as joias do cora??o do seu povo. Adora o exercito e o imperador, a express?o concreta da sua alma, entregou-se-lhes manietada e n'uma obediencia absoluta.

Conseguiu ser forte. As doutrinas dos philosophos de m?os dadas com o genio militar alcan?aram emfim dar-lhe uma rara for?a politica.

P?de viver-se assim? ? esta a ultima palavra da civilisa??o ou simplesmente uma gloria ephemera, sahida da coincidencia das aptid?es d'um povo com as necessidades do momento historico? A revolu??o franceza, iniciando-nos no conhecimento dos direitos individuaes, simultaneamente deu aos estados constitui??es que conduzem ? fraqueza e impotencia politicas; a Allemanha mostrou-nos novas vias conduzindo ao p?lo opposto. Assim como s? n?s pudemos v?r os povos educados nas institui??es derivadas da revolu??o, s? os nossos filhos poder?o saber o que ? um paiz educado na admira??o da for?a. Todas as prophecias ser?o prematuras, embora vagamente presintamos que a civilisa??o ? mais alguma coisa do que a for?a.

Dizia-me o snr. Saunders, fallando de musica, que as pequenas c?rtes dos ducados e monarchias allem?es eram favoraveis ?s letras e ?s artes. Alargando o seu pensamento direi tambem que a Allemanha actual, com todo o seu saber e profundeza, sahiu d'essas c?rtes minusculas; os que vierem depois de n?s saber?o o que deu a Allemanha imperial.

E visto que o leitor j? deve estar habituado a v?r as minhas sympathias de permeio com a exposi??o dos factos, impenitente, recahindo na velha falta, acrescentarei que a Allemanha, que vi em Berlim, produziu inesperada antipathia no meu espirito, educado n'outras id?as, n'outros costumes sobretudo. Dizem-me que Berlim n?o ? a Allemanha e que n'esse vasto imperio encontrarei costumes e id?as absolutamente oppostos; se assim n?o f?r garanto aos allem?es a antipathia dos povos peninsulares. N?o existiriam talvez na Europa caracteres mais accentuadamente antagonicos.

Em caminho de Berlim para Varsovia, a alfandega russa, com uma severidade desusada, obriga-me a parar seis horas em Alexandrowo. A visita das bagagens ? minuciosa, os passaportes s?o apresentados e registados; o comboio vinha com atrazo, partiu quando muito bem quiz, e os viajantes que n?o tinham ainda as suas coisas em ordem alli ficaram at? novo comboio. Eram quarenta ou cincoenta, pelo menos; e este facto, que em qualquer parte da Europa levantaria uma tremenda algazarra, n?o provocou um protesto. Aqui comecei a v?r a paciencia e a indifferen?a russas.

Para mim n?o foi desagradavel, antes me deu prazer, pois tive occasi?o de passear nos campos d'essa desventurada Polonia, que desde as margens do Vistula vinha observando.

S?o grandes lavouras arenosas e planas, n'esta ?poca cobertas de beterrabas e de pastos, cortadas de mattas de pinheiro de Riga, terrenos baixos, soltos como as dunas. A gente do campo anda geralmente descal?a, e os cavallos desferrados, o que o commum dos viajantes attribue ? miseria, mas que a meu v?r prov?m unicamente da natureza da terra; tal qual acontece no littoral norte do nosso paiz. Repete-se ahi o mesmo facto, sem que por isso as povoa??es sejam mais ou menos ricas do que as do interior com habitos differentes.

Uma arvore d? caracter a esta paizagem, o salgueiro, que com invariavel insistencia circumda os casaes cobertos de colmo, soltos e isolados, com largos intervallos, pelo meio das terras. N'estas planicies em que n?o se avista uma montanha, sem uma unica n?doa intensa e viva na verdura desmaiada a prender-se ao c?o nublado, o salgueiro, sem destruir a harmonia, d? ? paizagem o brilho que comporta com a sua folhagem alva, replandecente e leve como a nuvem. A paizagem do occidente ? tecida de ouro candente; esta ? de prata polida e fria.

Ao contrario do salgueiro, o pinhal, m?te, sem brilho algum, assemelha-se na c?r ?s estatuas de bronze expostas ao tempo, o que reunido ? brevidade das folhas e dos ramos, nivelando a superficie, o torna absolutamente differente do nosso pinhal, carregado na c?r e cavado de manchas largas e profundas; resultado da ramagem longa e distante. Um ? unido e plano, um lago coberto de cinza, o outro ondeado como as encostas do Vesuvio, feitas da tortura gigante da sua lava.

J? acclimado n'uma inteira passividade e resigna??o, segui de Alexandrowo a Varsovia com todos os atrazos e delongas proprios dos caminhos de ferro russos.

Era um domingo e c?rca da meia noite quando cheguei. Por isso n?o pasmei do extraordinario movimento das ruas, julgando que seria o terminar de um dia de festa e de repouso. Mas logo mudei de pensar na manh? seguinte: o que eu vira, era habitual e ordinario.

Que contraste com a enfadonha e sombria Berlim! Mulheres bonitas, elegantes, trajando bem, animadas, vivas, um fuzilar de carruagens em correrias doidas, e as ruas atulhadas de gente, fallando, gesticulando, movendo-se emfim;--tem tudo isto Varsovia. E tem ainda mais: desordem, immundicie, igrejas a cada passo com grande abundancia de devotos, ajoelhados ? porta ou benzendo-se na passagem. A um carro coberto de lama atrella-se um cavallo estropiado, com uns arreios inqualificaveis, mas onde falta coiro e graxa sobejam adornos e ferragens; e por aqui imagino o resto, imagino o que vai por casa d'estas mulheres que na rua vejo t?o airosas. Para n?s, do sul da Europa, a vida intima das cidades como Varsovia ou Napoles, comprehende-se immediatamente.

S?o os instinctos artisticos, o amor do luxo, das festas e da elegancia, alliados ? desordem e ? devassid?o dos povos excessivamente nervosos; s?o a ociosidade e a imprevidencia revelados na devo??o que entrega ?s m?os de Deus o que n?o sabe conquistar pelo seu esfor?o. Folia emquanto ha dinheiro e saude, e valha-nos Deus, Nosso Senhor nos acuda para os tempos de miseria... Vivem n'um sensualismo irreprimido, no desgoverno de todos os impulsos e de todos os instinctos; o luxo para elles n?o ?, como por vezes succede na Inglaterra, o florir proporcionado de uma planta que tem no s?lo boas e solidas raizes e nos ramos uma seiva abundante; n?o ? a coroa??o da riqueza, ? uma fl?r precoce n'uma planta exhausta, consumindo todo o alimento e todo o vigor que devia nutrir o tronco, os ramos e a folhagem. Essas plantas florescem e como ellas morrem tambem as sociedades que n?o souberam equilibrar a distribui??o da sua seiva.

Grande li??o a da Polonia para quem souber e quizer aproveital-a!

O vapor vai sereno e o tempo calmo; aproveitemos este ser?o passado sobre o Baltico e conversemos.

Deixando Varsovia, em poucas horas temos a paizagem do norte da Russia, que durante longas horas e longos dias nos ha de acompanhar com uma inquebrantavel monotonia. O que particularmente a distingue ? a frequencia do vidoeiro, absorvendo e dominando completamente as restantes arvores, o abeto, a tilia, o carvalho, o pinheiro e outras poucas especies que apparecem raras e por isso n?o t?m valor apreciavel. A ramagem pendente e o desbotado das folhas do vidoeiro, ao mesmo tempo que d?o ? floresta um aspecto compacto, roubam-lhe toda a rutilancia das ramagens horisontaes e os angulos e nitidez de linhas proprios das arvores resistentes e firmes como o carvalho, por exemplo. A floresta ? ligada e unida, as curvas suaves, nem sombras profundas nem resplendor; entre o claro e escuro, como entre os differentes tons, as transi??es s?o imperceptiveis.

Disse que a paizagem da Russia se distinguia pela predominancia do vidoeiro e n?o disse talvez a inteira verdade. Superior e porventura influindo muito intimamente na fei??o esthetica do arvoredo, est? a configura??o do terreno, um immenso Alemtejo, em planicies infindas, que assim se podem chamar umas depress?es t?o pequenas que n?o prejudicam a linha do horisonte.

Sobre essa vastid?o assentam aldeias, agglomera??es de casebres baixos e abafados, construidos de madeira e cobertos de colmo, sem divis?es interiores; em cada um ha, em regra, um pequeno ponto branco, a chamin? do forno sobre que no inverno dorme toda a familia. Ao lado, n'um pequeno pateo, intransitavel de esterco e de lama, est?o as c?rtes dos gados, n?o mais vastas do que a habita??o do dono. Tambem ?s vezes falta o forno e ent?o o lavrador e os gados vivem promiscuamente sob o mesmo tecto.

Mas, sob esta apparencia miseravel, existe frequentes vezes o aceio e a ordem e n?o raro tambem a abundancia. As necessidades s?o poucas, toda a industria ? caseira; se o anno foi abundante de trigo e de batatas, com isso e com o leite das vaccas tem a familia boa escudela.

Todo o paiz ? assim at? Moscow; aldeias, mattas e lavouras em terras sempre ouduladas mas quasi planas. Posso at? dizer que em toda a regi?o da Russia que atravessei n?o conheci outra paizagem.

Por taes caminhos chegei a Moscow, cidade t?o gabada, sobre que o oriente tem dispendido tanto ouro como o occidente rhetorica enthusiastica.

Olhei-a de longe com ancidade, passeei-a, subi ao monte a que Napole?o subiu para a v?r antes de a conquistar, mirei-a muito emfim. Pois de quanto por l? pensei e observei conclui que para n?s, latinos, enamorados da harmonia, da simplicidade, da propor??o e da gra?a, n?o tem belleza. Interessa e enthusiasma pelas evoca??es historicas que d'ella brotam aos cardumes e prende pela estranheza e pelo pittoresco d'um mundo novo; mas que seja um prazer esthetico o que ella n?s d?, desconfio.

? uma cidade sem plano, sem principio nem fim, sem um centro de convergencia, caprichosa e emmaranhada, como a imagina??o oriental. Chamo a tudo aquillo byzantino, n'este sentido, que, ? for?a de distinguir, confunde e enreda a mais n?o poder resolver. Cada rua deseatranha-se em mil b?cos e ruas t?o grandes ou maiores que a via-m?e; de cada flor?o de architectura rebentam novos flor?es que se emendam, sobrep?em, sobem, descem, voltam ao ponto de partida para recome?arem a mesma teia; taes quaes as discuss?es da nossa camara dos deputados. S?o as imagina??es insaciaveis de subtilezas no pensamento, nas artes e em tudo, porque o espirito humano ? um para cada povo e para cada ?poca; s?o a nega??o da lucidez e da precis?o.

Com esta concep??o da f?rma esthetica coincide o brilho anteposto ? c?r. Indifferente ?s delicadezas de colorido, o moscovita adora o ouro e as pedrarias: o bronze, a prata e o a?o s?o pouco, ? preciso doural-os. As igrejas est?o recamadas de ouro, nos bazares abundam os bronzes trabalhados no paiz, mas sempre dourados; o thesouro do palacio imperial n?o ter? maravilhas de Cellini, mas tem ouro e pedras preciosas que bastam a adornar todas as c?rtes da Europa.

Pelos atalhos d'essa montanha de riquezas anda uma popula??o mesclada, cossacos e chinezes, circassianos e finios; porque Moscow, uma terra de commercio, um bazar, um genuino e simples mercado, tem de notavel sobre os seus congeneres do occidente e do centro da Europa, ser intercontinental e trazer ?s suas barracas uma popula??o que dos mais remotos cantos da Europa vai quasi a tocar na America. Quasi, agora; quem sabe se um dia a tocar? de facto, e que medonha convuls?o reserva ao mundo esse combate.

Dizem ter mil e seiscentas igrejas, e creio ter devo??o para edificar outras tantas. N?o ha casa sem uma imagem do Christo; nem os restaurantes com frequencia muito suspeita lhe escapam. As offrendas n?o t?m numero, tudo se faz por milagre. Direi todavia que esta ? a maior for?a d'aquelle povo.

Entre Paris, o epicurismo, Berlim, a for?a, e Moscow, a religi?o, eu preferirei a ultima, porque n'este reconhecimento de uma vontade superior, de quem tudo dimana e prov?m, est? o germen e o fundamento da paciencia, da resigna??o e da obediencia, for?as invenciveis que os factos externos deixam intactas e n?o quebram.

? difficil dizer onde termina a fraqueza e onde come?a a do?ura e a piedade, que dimanam d'essa essencia, mas ? certo que a maior de todas as for?as ? a for?a de soffrer. N?o ha obstaculo mortal para a actividade de quem a possuir, e por isso o russo, apathico, soffredor, todo confiado ? vontade de Deus, tem sobre todos n?s, racionalistas do occidente, a maior das vantagens.

Vindo ? Russia, n?o pude roubar-me o prazer de visitar o conde Tolsto?, o famoso romancista que hoje todo o mundo conhece. Como tantos outros estrangeiros, dirigi-me pois ? cidade de Tula e d'ahi a Yasuya Polyand, propriedade e habita??o de Tolsto?.

Em torno d'este nome fez-se uma verdadeira lenda que representa o conde como um louco, fazendo sapatos e lavrando as terras. E na verdade tem n?o sei que de singular e de poetico a sua vida.

O mundo viu com espanto tamanha abnega??o, sorriu e, sem ousar dizel-o, chamou-lhe loucura. N?o o ?; mas uma tal energia em conformar o sentimento e a ac??o surprehende n'uma ?poca em que a simplicidade, a modestia, a religi?o e o christianismo, s?o essencias preciosas para uso verbal e devaneios litterarios apenas. E todavia o proceder de Tolsto? est? ainda muito longe do ascetismo de outras eras em que princezas e fidalgos abandonaram familia, os palacios e o luxo, trocaram todos os prazeres, os prazeres santos e os prazeres impuros, pelo extasi divino e pela solid?o do claustro.

Vejamos brevemente que id?as e sentimentos levaram o conde ao novo claustro em que se encerrou.

Dizia-me: N?o conhe?o na??es, ha homens apenas; e a sua lei divina e christ? ? a fraternidade. Por ahi devemos regular as nossas ac??es e aferir o seu valor.

Respondi-lhe que n?o me parecia que o espirito nacional fosse incompativel com a fraternidade. Tomemos um exemplo, a protec??o industrial aduaneira, uma consequencia do nacionalismo. Destroe a fraternidade? N?o; pelo contrario, realisa praticamente uma equitativa distribui??o de riqueza entre os differentes povos e, se n?o, lembremo-nos dos effeitos da liberdade commercial que seria manifestamente a miseria para uns e a opulencia para outros. Concedendo que dos motivos concorrentes na actividade humana, os motivos de ordem moral devem governar os da ordem natural ou physica, temos que a fraternidade, o amor, ou como melhor deva dizer-se, carecem de dar aos ultimos a satisfa??o devida para completa realisa??o dos primeiros. E assim ? necessario que para os povos haja na??es, como para cada familia uma casa.

Erro! repl?ca Tolsto?. Para lan?ar uma pedra sobre determinado ponto carecemos de apontar mais longe, e assim tambem, para vivermos segundo o christianismo, precisamos n?o contar com os motivos de ordem natural. Elles se manifestar?o espontaneamente; pensar n'elles ? mal empregar a raz?o que deve guardar-se para as coisas superiores.

Singular raciocinio, direi eu, que n?o quer contar com um elemento cuja existencia reconhece! Por este caminho vamos ao nihilismo, e Tolsto? era perfeitamente logico quando acrescentava: Para que servem os governos? Se ?manh? Moscow e Petersburgo desabassem, que importava a esta aldeia? Seria inteira e completamente o que hoje ?. E contava-me, como esclarecimento e demonstra??o, que da Russia emigram familias inteiras, e na simples carro?a que leva todos os seus bens v?o muito longe, ? Siberia e quasi ? China, fazer as colheitas. Com o producto d'esse trabalho levantam a casa, estabelecem uma lavoura n'esses desertos incultos e s?o felizes at? que o governo os descobre para lhes pedir impostos e os filhos para o exercito.

De f?rma que essa simplicidade, individualmente possivel, ? collectivamente impossivel. O que n?o importa a nega??o de uma vida mais simples do que a actual, como fim ultimo da civilisa??o; o balan?o dos prazeres e penas da plena expans?o natural, combinado com os sentimentos piedosos e aspira??es christ?s, conduzem a uma reduc??o reflectida das nossas necessidades, mas entre esta e o estado primitivo ha uma enorme differen?a que devemos v?r e pesar; e, sendo a simplicidade consciente um producto superior da civilisa??o, seria erro esperal-a do vulgo que para a attingir carece de ser educado. D'este ultimo facto a necessidade de governo e institui??es educativas, que n?o ser?o portanto um mal e uma desobediencia ? doutrina christ?, mas sim a condi??o da sua realisa??o pratica.

Como ? de uso n'esta especie de palestra viemos de parte a parte a um interrogatorio sobre o estado social de Portugal e da Russia. Repeti o que disse na minha ultima carta, que a religi?o me parecia a maior for?a do moscovita.

? e n?o ? religioso, respondeu-me o conde. Entre Gogol e Beliensky levantou-se um dia essa quest?o e estou em dizer que ambos tinham raz?o. Se julga pelo numero das igrejas e pela sua concorrencia, dir-lhe-hei que o russo n?o ? religioso; isso ? um habito, como o alcool ou o ch?, sem maior significa??o psychologica. Mas acontece que, differentemente do que succedeu com a Igreja romana, traduzimos o evangelho ha novecentos annos e as suas maximas divulgaram-se no povo em que ainda agora actuam energicamente. Por este lado a Russia ? um paiz religioso.

Se me ? dado acrescentar alguma coisa, direi que o ? ainda por outro lado, o fundo fatalista, Deus, Acaso, Providencia, nega??o da previdencia e reconhecimento de uma vontade superior incognoscivel. O proprio conde Tolsto? representa esta fei??o. Mostra-a nas suas obras e conversando commigo sobre as f?rmas futuras da propriedade, disse singelamente:--Quem p?de prever o que acontecer? d'aqui a vinte annos?

Quizera reproduzir todo o longo discurso de Tolsto?, mas a memoria nunca me ajuda e muito menos n'este momento, em que a success?o e diversidade de materias a contrariam. Ficou-me por?m esta impress?o--que o pensamento v?a mais alto em duas horas de palestra com um homem de genio do que em dois annos de medita??o solitaria.

Deixamos em Moscow uma cidade, producto espontaneo, e portanto caracteristico, do genio d'um povo em cujo sangue se amalgamam differentes ra?as, e em S. Petersburgo vamos encontrar a capital d'um grande imperio consciente da sua grandeza; a primeira ? uma construc??o historica, a segunda a revela??o do pensamento e dos sonhos d'um imperador. A igreja da Assump??o, no Kremlim, na sua pequenez, com a profus?o dos seus adornos e do seu ouro, ? gigante como documento da concep??o artistica do moscovita; Santo Isac, de Petersburgo, com os seus monolithos de vinte metros de altura, singela, sobria e grande, foi tra?ada por um francez e, se demonstra alguma coisa, ? a victoria da architectura greco-romana em todo o mundo civilisado. Aquella infinita variedade de f?rmas e de linhas em que se fundiam ou baralhavam a China, a Persia, o Oriente e a Italia, perdeu-se nas margens do Neva, entregues ? imita??o do occidente; e emquanto Moscow parece ter sahido da terra como o desenvolvimento natural e facil dos germens que continha, S. Petersburgo mostra uma vontade, um esfor?o de adapta??o a habitos, costumes e f?rmas estranhas, reflectidamente julgados melhores. ? uma cidade afrancezada, como de resto o s?o todas as cidades modernas.

Ha muito passou ao dominio da banalidade extasiar-se a gente perante a vastid?o de Petersburgo; mas essa vastid?o ? unica no mundo, e por isso n?o importa repetir o facto, porque v?l-a ser? sempre uma impress?o surprehendente. Entre o Neva abundante e profundo a espraiar-se n'um amor barbaro, insaciavel de terra, ao fundo d'essas planicies infindas povoadas de florestas e aldeias, para encerrar a cor?a que liga as neves do Himalaya ?s neves do Baltico era necessaria uma cidade, cuja vastid?o eclipsasse todas as capitaes do mundo. Ruas, igrejas, palacios, pontes e caes, tudo ? d'uma largueza unica.

De repente, no breve espa?o de uma noite, que contraste! Para atravessar o Baltico vim embarcar em Helsingfords, capital da Finlandia; do ruido e da vastid?o cahi na estreiteza e no silencio. Ou seja porque n?o chegou at? aqui o sangue oriental ou s?mente porque as condi??es da terra e do clima s?o outras, o finio ? absolutamente differente do moscovita e mais se aproxima dos seus irm?os do outro lado do mar do que d'aquelles a que est? sujeito. ? possivel qne a constitui??o e quasi independencia da Finlandia proviesse simultaneamente de circumstancias historicas e do reconhecimento de insuperaveis difficuldades na russifica??o d'este reino.

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