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Read Ebook: Noites de insomnia offerecidas a quem não póde dormir. Nº 04 (de 12) by Castelo Branco Camilo

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Ebook has 62 lines and 6164 words, and 2 pages

a do seu p?o, quando sentia a m?o da morte sobre o seio, disse ? crian?a que fosse ao tribunal e mendigasse, lembrando-se que alli concorriam pessoas que tinham conhecido seu pai.

O snr. Jo?o Bernardino da Silva Borges viu o menino andrajoso, a tiritar, com o espasmo da fome nos olhos--aquelle olhar espavorido da miseria--que parece sagrada nas criancinhas--aquelle olhar torvo, express?o de assombro do anjo a tremer sobre o cairel d'este inferno do mundo.

O menino tinha uma carta na m?o. O snr. Silva Borges leu a carta. Era a supplica da moribunda a favor do desvalido filho de seu amo.

E conduziu a crian?a, onde lhe dessem a esmola do jantar e da cama.

E, no dia immediato, o mesmo jornal exultava noticiando que o orph?osinho estava amparado, no rega?o da caridade abundante, nos bra?os de alguem que ouvira o echo das divinas palavras de Jesus: <>

Volvidas duas semanas, ? volta do menino, a caridade faz-se representar por nove senhoras illustres, quanto cabe inferir dos appellidos.

Nove anjos, as nove musas da inspira??o santissima, nove cora??es a desbordar de generosidade, dezoito m?os cheias de caricias e do superfluo da sua riqueza, para afagar, alimentar e educar um menino a quem esta setima primavera bafeja os primeiros risos de sua enfezadinha puericia. ? muito!

Mas estas nove damas assumem cada qual sua nomenclatura:

Mas que tem isto que v?r com o orph?o? O congresso das senhoras, assim qualificadas em categorias de banco, de junta de parochia, de empresa aurificia, de companhia das aguas, organisou-se d'este feitio para dar uma pens?o de 300 reis diarios--o bastante--ao pequenino no collegio?

Quer-me parecer dispensavel tamanho funccionalismo em opera??es t?o singelas! S?o nove senhoras abastadas que se fintam, quotisando-se cada uma em 33 reis por dia, ou dez tost?es por mez. ?, na verdade, barato o salvar-se um menino e fazel-o homem! Seis ou oito annos do p?o e estudo d'aquella creatura--que ss. exc.^as h?o de enfiar com santa vaidade diante da sepultura de seu pai--n?o p?de custar a cada uma tanto como dous dos seus vestidos medianamente guarnecidos.

Ent?o, qual vem a ser a miss?o das exc.^mas presidenta, vice, vogaes, thesoureira, secretarias?

Ahi est? o que ?. Ainda agora ? que estas dadivosas senhoras v?o sondar a magnanimidade publica; v?o dar uns toques de elegante apparato ? caridade, e ao mesmo tempo convidar-vos a p?r hombros ?quella ponderosa empresa de agasalhar uma criancinha que se alimenta com um pouco de amor e algumas migalhas sacudidas das c?as opiparas. A caridade de Lisboa! A caridade do espalhafato! Aqui, no Porto, o orph?o, a esta hora, estaria agasalhado, sem que a imprensa conhecesse o nome do bemfeitor.

E a imprensa de Lisboa exal?a encarecidamente a exuberante bizarria das senhoras que promovem nos cora??es alheios o sentimento da esmola. Pe?o licen?a para tambem me accender em admira??o de tamanho arrojo, e perguntar, por esta occasi?o, aos jornalistas se, no seu cadoz de phrases, ficou alguma com que se louve aquella criada pobresinha que sustentou o menino cinco annos, e o largou do seu seio quando o cora??o se lhe afogou nas ultimas lagrimas.

PROFUNDA REFORMA NOS COSTUMES DA VIA-FERREA PORTUGUEZA

N'esse tempo, estava eu em Lisboa a vasquejar nos demorados paroxismos da anemia, resultante de dyspepsia, complicada com hepatite, e prodhromos de encephalite, e symptomas de curvatura de espinha, e esgotamento de fluido nervoso, af?ra a espinhela cahida.

Escrevi, n'esta concurrencia pathologica, a um amigo meu, residente no Porto, que me comprasse alli doze garrafas do mais antigo e secco vinho que se lhe deparasse em garrafeira particular. Quando conclui a carta, cuidei que expirava, por que tinha consumido em quatro id?as sem estylo o oxygeneo e acido carbonico de que podia disp?r.

D'ahi a dias, o meu amigo enviou-me o titulo de recep??o de doze garrafas de vinho, compradas por 12 libras, e enviadas pela <>, cuidando elle que os ladr?es n?o as apanhariam na carreira.

Como se as doze garrafas se me figurassem outras tantas botelhas de Leyde a descarregarem electricidade sobre os meus grandes-sympathicos e regi?es limitrophes, saltei da cama, e fui receber o meu vinho--a minha salva??o--a Santa Apolonia.

Recolhido o caixote ? sege, e baixados os stores, debrucei as regi?es do meu olfacto sobre as fisgas da tampa do caix?o, na esperan?a de aspirar alguns atomos de tanino.

Cheirou-me a azeite. Entendi que havia pervers?o na minha membrana pituitaria, uma narizite, unica molestia que me faltava.

--N?o, infeliz!--respondeu-me voz sincera--n?o foi tamanha a desgra?a que te fulminou; o que tu viste foi seis garrafas do teu vinho, que te custaram seis libras, substituidas por seis garrafas vasias que tiveram azeite.

A minha primeira id?a foi gritar ? d'el-rei; lembrando-me, por?m, que o rei n?o governa, quiz chamar o cabo da rua; depois, passou-me pelo espirito recorrer ? camara <> e ao patriarcha. E, por fim, chorei copiosamente, e bebi dous tragos de uma das seis; e logo, ? semelhan?a das na??es oppressas, que se levantam como um s? homem, tambem eu me levantei s?sinho; e, clamando um rugido grande, pedi ? Providencia das ra?as latinas que nos d?sse um administrador dos caminhos de ferro, nascido e baptisado n'esta terra dos Affonsos e dos Jo?es.

Fui ouvido, e as cousas melhoraram consideravelmente.

N'este anno de 1874, 2.? da Emancipa??o, tenho recebido reiteradas provas da melindrosa cortezia que assiste ao funccionalismo do transporte da via-ferrea portugueza. Se em 1871 n?o chorei mediante os prelos, hoje lamento n?o ser um cytharista bastante lyrico para dignamente arpejar um fado expresso do citado funccionalismo.

Direi da cortezia com que alli s?o tratadas as minhas cousas. Tendo eu recebido em Lisboa seis garraf?es de aguardente das nossas colonias, lacrados e cheios, enviei-os d'alli para o Porto cheios e lacrados. Ao cabo de onze dias de jornada, os garraf?es chegaram a minha casa... inteirinhos! Se isto n?o ? probidade, a virtude era aquillo que dizia Cat?o. Notei, por?m, uma insignificante cousa: os garraf?es chegaram deslacrados, e levavam pouco menos de metade do liquido; mas inteiros, perfeitos, sem rachadella, nem esquirola de menos.

Um d'estes dias, em dous caix?es de vinho da Madeira, que me eram enviados de Lisboa,--e foram retidos para despacho nas Devezas, posto que j? em Lisboa houvessem pago direitos--observei ainda mais refinada cortezia; porque, apparecendo algumas garrafas quebradas, teve aquella honrada e limpa gente o cuidado de lhes trasfegar o vinho a fim de que as outras se n?o molhassem--de modo que chegaram enxutas.

E fez mais: teve outro sim a bondade de tirar algumas garrafas para que as outras chegassem mais desafogadas da press?o das visinhas!

Eu n?o conhe?o maneira mais subtil de obrigar a gente a um reconhecimento eterno, e a... acautelar o relogio.

FORMOSA E INFELIZ

A dita e a formosura, Dizem patranhas antigas, Que pelejaram um dia, Sendo d'antes muito amigas.

Muitos h?o que ? phantasia; Eu que vi tempos e annos, Nenhuma cousa duvido Como ella ? azo de damnos.

BERNARDIM RIBEIRO.

Aquella Maria da Penha que o leitor viu, ainda agora, carpida n'um soneto, foi muito incensada por formosa antes da sua queda. Uns poetas a embriagaram com o perfume da lisonja, em quanto ella se manteve honesta; outros lhe depozeram alguns bagos de assafetida na ambula funeraria, quando os seus creditos eram mortos e responsados no catafalco que a sociedade levanta ?s suas mesmas victimas.

E j? que eu trasladei o soneto, como epitaphio do seu tumulo no convento onde se finou, trasladarei tambem uns versos que lhe deram alor e azas ? vaidade que a perdeu.

Suspeito que o poeta d'estes cantares n?o fosse o fidalgo que a levou arrebatada de entre um thalamo e um ber?o. Os poetas, por via de regra, costumam enflorar os holocaustos sacrificados nas aras da prosa. Assim o requer o equilibrio do cosmos. ? poesia--a lyra que insinua no cora??o da mulher as phantasias com que mais se alinda e encarece; ? prosa--as delicias d'essas bellas cousas, o dominio das aves do paraiso, que os poetas farejam, ? laia de nebris que pairam a denuncial-as ao ca?ador sagaz.

A meu v?r, em quanto o marquez de Gouv?a mandava ajaezar os cavallos para a funesta fuga, um dos muitos idolatras da formosissima Maria motejava uma quadra e derivava d'ella a glosa t?o presada n'aquelles tempos:

A D. MARIA DA PENHA DE FRAN?A

MOTE

GLOSA

ANTONIO SERR?O DE CASTRO

As indaga??es de Diogo Barbosa Machado, ?cerca do poeta Serr?o, reduzem-se a datar-lhe o nascimento.

No palacio da inquisi??o passou elle alguns annos de sua vida, que de certo n?o foram os melhores.

Pelos modos, era hebreu dos quatro costados; mas n?o adorava o bezerro, nem se abstinha dos paios do Alemtejo. Em quanto o deixaram, viveu e medrou ? lei da natureza. Seguiu fervorosamente a religi?o do prazer, repartindo alma e versos por judias, christ?s e mouras, consoante lhe sahiam a talho de fouce. Tanto afinava a lyra para cantar fidalgas como regateiras. Entre estas, houve uma vendilhona de ma??s camoezas que n?o foi das menos amadas e menos esquivas. Se os poetas modernos querem ajuizar do lyrismo plebeu d'este seu bisav?, aqui teem uma das can?onetas dedicadas ? saloia das camoezas, e cantada pelos cytharedos d'aquelle tempo:

Para a feira vai Luiza Co seu balaio ? cabe?a Todo enramado de louro E cheio de camoezas.

Leva saia de jilezia, Tambem jub?o branco leva, Que serve o jub?o de branco D'onde Amor atira as flechas.

Sobre os dedos, pendurados Leva seus punhos de renda, T?o valentona caminha Que treme o bairro de v?l-a.

L? no meio do Rocio Levanta a voz mui serena Como se aprendera solfa: <>

A voz t?o divina e grave, A voz t?o de prata e bella, Os galantes se alvorotam E ferve a bulha na feira.

Deixam todos as boninas S? por ver esta a?ucena; Em um momento, cercada Se viu esta fortaleza.

Os requebros que lhe dizem S?o balas de feras pe?as: Mas no muro de seu peito Acham grande resistencia.

Uns apre?avam a fruta, Outros tiram da algibeira ?s mancheias os tost?es, Aos alqueires as moedas.

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