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Read Ebook: O culto da arte em Portugal by Ortig O Ramalho

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Ebook has 256 lines and 32896 words, and 6 pages

O problema assim estreitado ?, no fim de contas, de pura curiosidade.

Em toda a parte onde apparecem as primeiras amostras d'esse stylo ellas n?o s?o a obra de individuos de um paiz determinado, mas sim de uma congrega??o encerrando no seu gremio homens de todas as na??es.

Esta hypothese--e chamo-lhe hypothese, porque n?o conhe?o os documentos positivos em que se baseia o escriptor allem?o--condiz perfeitamente com a li??o de Frei Luiz de Sousa, e ? talvez de todas a mais verosimil com rela??o aos constructores da Batalha.

Que fosse, por?m, uma associa??o de artistas e de operarios; que fosse Stephan Stephenson, como indica Murphy, de quem devemos crer que n?o inventou esse nome e o recebeu, como diz, dos empregados do archivo da Torre do Tombo; que fosse, como pretende Hope, mestre Ouet, Huguet ou Huet, de na??o inglez, que trabalhou nas obras e cujo nome Frei Francisco de S. Luiz encontrou como testemunha no contracto de aforamento, em que se fala de Affonso Domingues; como quer que seja, emfim, a hypothese que menos verosimilhan?a offerece ? a de ter sido o monumento delineado e construido pelo mestre portuguez Affonso Domingues, como em Portugal se tem geralmente escripto.

O mais superficial exame aos edificios anteriores ? Batalha manifesta do modo mais evidente que n?o tinhamos nem escola, nem tradi??es, nem tendencias de que procedesse um artista como o que delineou e construiu a egreja da Batalha.

Sabe-se que desde o seculo X se organisaram na Italia, iniciadas pela Lombardia, essas associa??es de artistas seculares, architectos, esculptores, illuminadores, imaginarios, vidristas, entalhadores e canteiros, empregados pela egreja nas vastas obras da primeira renascen?a da Europa, subsequentes aos terrores do millenio, que por muitos annos paralysaram todas as faculdades artisticas da humanidade estupefacta perante a prophecia pavorosa do proximo aniquilamento universal.

Com a rapida e maravilhosa prosperidade das novas cidades da Italia Septentrional nasceram egrejas sumptuosas e conventos magnificos, que em poucos annos cobriram uma grande superficie da Lombardia e dos Estados adjacentes.

Chegado o momento previsto em que as ordens religiosas de Italia cessaram emfim de ter obras em que empregar a associa??o, cada vez mais numerosa e mais habil, dos pedreiros livres, pensaram estes em dilatar a sua actividade fora do solo natal.

Este expatriamento n?o representava unicamente uma expans?o artistica mas tambem uma forte propaganda e uma consideravel conquista internacional da egreja latina.

Essa grande companhia edificadora de monumentos religiosos, de cathedraes e de mosteiros, mobilisada n'uma companhia de arte atravez do Norte da Europa, constituia como que um solido refor?o esthetico, temporal, naturalista e humano ? sagrada legi?o espiritual vulgarisadora do credo latino pela ramifica??o das ordens religiosas sobre todas as latitudes da terra.

Cada egreja e cada convento edificados em paizes estranhos e longinquos eram--diz Hope--um novo feudo adquirido ao papa.

A egreja comprehendeu inteiramente o alcance d'este grande facto, t?o importante na historia da arte romanica, da arte lombarda, da arte gothica e de todas as artes liberaes na Europa, depois de cahida a influencia da antiga civilisa??o hellenico-romana.

Como incentivo e amparo da vasta odyss?a, a que se aventuravam os denominados pedreiros livres receberam ent?o da auctoridade pontificia, emminente a todos os conflictos e discordias de soberania para soberania e de nacionalidade para nacionalidade, privilegios incomparaveis, destinados a assegurar ? confraria errante uma especie de inviolavel monopolio esthetico e artistico, como o que em nossos dias poderia resultar de um congresso universal, tendo em vista p?r acima de qualquer contingencia politica um interesse commum a toda a especie humana.

Diplomas e bulas papaes confirmaram para todos os paizes, que houvessem reconhecido a f? catholica apostolica romana, todos os privilegios que a confraria dos pedreiros livres havia recebido dos Estados de que era oriunda.

Ella dependeria directamente e unicamente da auctoridade pontificia, isenta de todas as leis e estatutos locaes, dos editos dos reis ou dos regulamentos dos municipios e de toda e qualquer imposi??o obrigatoria para os naturaes do paiz em que se encontrasse.

S? ? associa??o caberia o direito e o poder de taxar os salarios, e de prover em capitulo, sem appella??o nem aggravo, a quanto dissesse respeito ao seu proprio governo. Era expressamente prohibido a todo o artista n?o iniciado nem admittido na associa??o estabelecer para com ella qualquer especie de concorrencia, assim como era defeso, sob pena de excomunh?o, a todo o soberano manter os seus subditos n'esse acto de rebeldia ?s prescrip??es da egreja.

Desdobraram-se successivamente as diversas lojas ou series de agrupamentos, em que cada dez associados obedeciam a um chefe em communica??o com os chefes das demais decurias e com a direc??o central.

Os ecclesiasticos da mais alta categoria, os prelados, abbades mitrados e bispos, accrescentavam a for?a e o prestigio da associa??o, alistando-se como membros da irmandade.

Todos os soberanos da christandade se gloriavam em honrar com especiaes distinc??es e particulares privilegios as suas lojas nacionaes.

quaes os consocios se reconheciam em qualquer parte, e revestiu-se o acto de inicia??o e matricula de formalidades solemnes, de provas especiaes, de juramentos terriveis, por via dos quaes cada novo confrade se obrigava n?o s?mente a n?o revelar a quem quer que fosse os signaes, com que mutuamente se entendiam os pedreiros, mas a esconder dos estranhos todos os processos technicos e todas as regras do officio, de que a associa??o tinha a posse. Esta collabora??o phenomenal dos melhores obreiros, de todos os grandes artistas e de todos os sabios do mundo, associados da maneira mais engenhosamente completa e perfeita para exercer a arte de edificar, elevou a architectura religiosa n'este periodo ? mais alta perfei??o scientifica e technica, a que j?mais chegou a obra da intelligencia e da m?o do homem.

Quando a longa e laboriosa gesta??o de todos os demais ramos do saber humano se discriminava apenas em rudimentos embrionarios, de uma confus?o tenebrosa, a architectura constituia o mais perfeito corpo de leis estheticas e de leis scientificas. Crearam-se as mais elevadas e as mais caracteristicas f?rmas de stylo, resolveram-se os mais complicados e os mais difficeis problemas de calculo, de geometria e de mechanica, acharam-se, emfim, innumeraveis processos chimicos e methodos technicos, que se perderam e nunca mais se substituiram, porque com a grande confraria dos ma?ons morreu a tradi??o de que elles tinham a guarda e o segredo.

Revertendo ao escrupuloso e esclarecido estudo de Mousinho, notemos que elle n?o encontrou nem quem o continuasse nem sequer quem se lhe submettesse entre os restauradores que se lhe seguiram. As capellas imperfeitas, incomparavel joia da architectura portugueza mais caracteristicamente regional, acham-se no mesmo abandono em que ficaram em 1843, depois que elle as desinfestou dos parasitas arbustivos e das herbaceas, cujas radiculas se tinham por tal modo multiplicado nos intersticios das cantarias que em muitos pontos houve que desmontar as lageas para extirpar as hervas e refazer os massames substituidos pelo intimo estojo vegetal, que inchando por todas as juntas da pedra, amea?ava desarticular e destruir tudo por uma derrocada geral.

Sem exposi??o de plano referido ?s obras que recentemente se tem feito, e cuja doutrina nos daria uma base de estudo e de discuss?o, quem, como eu, n?o tem voto na materia para a resolver por senten?a, precisaria de entrar em uma longa serie de pacientes raciocinios e de humildes demonstra??es para p?r em evidencia todos os erros que em taes obras se teem comettido. Para n?o tornar pelo emprego d'esse processo, excessivamente longo este modesto estudo, tomarei um ponto capital, sufficientemente expressivo para dar a medida do criterio empregado na restaura??o da Batalha.

Pela entrada principal da egreja, ? semelhan?a do que succede em grande parte das egrejas gothicas, desciam-se na Batalha alguns degraus,--sete se me n?o engano--para chegar ao pavimento da nave central. Um dos restauradores que se succederam a Mousinho de Albuquerque, tendo-se por assistido de raz?es plausiveis para modificar o alludido systema, rebaixou o terreno exterior ao nivel do pavimento da egreja, e supprimiu os degraus, serrando as hombreiras e substituindo as cantarias que lhe serviam de base. A porta principal do monumento da Batalha ficou por esse modo tendo de altura a dimens?o de duas larguras em vez de largura e meia approximadamente, segundo a dimens?o primitiva. O architecto havia previamente submettido o seu projecto ao exame das esta??es superiores, e o respectivo ministro sanccionara a obra com a sua alta approva??o.

Ser? difficil encontrar em um t?o breve episodio de construc??o uma t?o vasta affirmativa de desoladora ignorancia.

Poder? parecer excessiva e condemnavel ousadia que um simples curioso se arrogue o direito de qualificar de ignorante um architecto em exercicio da sua profiss?o. O erro ? todavia no caso sujeito t?o flagrante que n?o supporta defesa. Um barbarismo architectonico est? tanto ao alcance de um escriptor como um barbarismo grammatical est? ao alcance de um architecto.

Do que fica exposto resulta que a simples substitui??o de uma pedra por uma pedra de dimens?o differente na base de uma hombreira no portal da Batalha ?, em si mesma e isoladamente, como troca de pedra por pedra, um grave erro, porque essa base de hombreira, devendo ter tido inicialmente a dimens?o exacta e precisa, que ? esquadria da cantaria imp?e a dimens?o do bloco, ? um elemento fundamental da escala pela qual se rege todo o edificio; e n?o pode como tal nem supprimir-se nem alterar-se.

Mas temos de considerar ainda que com essa mudan?a de pedra se offendeu o preceito da unidade, alterando a f?rma e a dimens?o de um dos mais importantes membros da construc??o. O conjuncto de um monumento--diz Quatrem?re de Quincy--? de tal modo combinado, que n'elle se n?o pode nem tirar nem p?r nem alterar o que quer que seja. E Violet-le-Du? desenvolve esse preceito da maneira seguinte: <> As dimens?es das portas--j? dizia Vinhola--devem ser de uma propor??o relativa ? escala pela qual se construir o edificio, ? grandeza das suas differentes pe?as e finalmente ?s particularidades da obra e do local em que esta f?r feita. Com rela??o ?s portas nas ordens jonica, dorica, corinthia e toscana as propor??es entre a altura e a largura dos portaes, acham-se geometricamente determinadas pelos discipulos de Vitruvio. Na architectura gothica a porta representa por?m um papel mais preponderante que em qualquer outro systema de construc??o. <>

A medida de extens?o na edade m?dia era a toeza, correspondente ? estatura do homem alto. A porta da egreja destinada a dar passagem ao portador de uma lan?a de guerra ou de torneio, de um baculo, de uma cruz ou de um pend?o, tinha a altura fixa e invariavel de duas toezas a duas toezas e meia, segundo as regi?es em que se construia. O portal gothico tem ainda, como titulo ao nosso respeito pela sua inviolabilidade, a condi??o de representar na fachada do templo como que um summario de toda a obra. ? do principio da arcada, de que a porta ? o motivo predominante, que se deduzem e desenvolvem systematicamente todas as demais f?rmas constructivas e ornamentaes na architectura do edificio. Archivoltas, nervuras, pilastras, columnelos, janellas, nichos, misulas, baldaquinos, trifolios, que s?o na egreja da Batalha sen?o applica??es e desdobramentos successivos, engenhosamente variados, das linhas constitutivas da porta principal do templo?

Qu?o tragicamente profunda tem que ser a indisciplina official em todos os servi?os da arte para que possa dar-se um attentado da ordem d'aquelle a que me refiro:--para que um architecto proponha, para que uma reparti??o publica auctorise, para que um ministro da cor?a sanccione--sem protesto do districto, do municipio ou da parochia--que se desfigure o primeiro dos nossos monumentos da edade m?dia, alterando as f?rmas de uma porta, que ? a porta principal d'essa gloriosa egreja de Santa Maria de Victoria, que os architectos do mestre de Aviz al?aram pela bitola dos estandartes, dos bals?es e das bandeiras de Aljubarrota, e segundo a altura a que chegava nas hombreiras o bico do bacinete ou a cimeira do morri?o dos da ala da madresilva ou da ala dos namorados!

O meu fim por?m n?o ? fazer a critica das restaura??es da Batalha, mas sim demonstrar, como julgo ter feito, por meio de alguns factos caracteristicos e capitaes, que nas restaura??es emprehendidas tanto n'esse como nos demais monumentos architectonicos recentemente reparados a expensas do estado, n?o houve antecedencia de programma, nem estudo previo, nem determina??o de methodo, nem sanc??o critica, nem fiscalisa??o technica, nem policia artistica de especie alguma.

Pelo numero e pelo quilate das mutila??es, deturpa??es e superfeta??es, inteiramente arbitrarias e escandalosas, de que s?o objecto os monumentos restaurados com assentimento e com subsidio official, como a Batalha, os Jeronymos e a Madre de Deus, poderemos calcular o que se passa nos edificios em que camaras, parochias e simples particulares est?o no logro de restaurar, de concertar ou de demolir a seu gosto.

Em Ponte de Lima havia uma ponte, que dava o nome ? villa. Esta ponte, em parte romana, em parte gothica, era revestida de ameias e entestada por dois castellos ogivaes. A verea??o, com o motivo de desafogar a vista sobre as duas margens do rio, manda demolir os castellos e serrar as ameias da alludida ponte.

Outra verea??o, em Santarem, bota a baixo a bella torre gothica de Santa Maria de Marvilla, funda??o dos primeiros tempos da monarchia, para o fim unico de deixar o terreno sem coisa alguma em cima, e ser por essa raz?o uma pra?a. A Real Associa??o dos architectos civis prop?e-se a esse tempo comprar os sinos da torre demolida, em bronze esculpido. A junta de parochia prefere derretel-os.

No castello de Leiria, que, tendo sido construido como casa e museu pelo rei mais artista, mais poeta e mais sabio do seu tempo, constitue um documento, unico talvez na Europa, da archeologia romana e da vida de c?rte na edade m?dia, certos festeiros em noite de gala, derribam a columnata do eirado principal para dar campo a um effeito de luminarias e de pyrotechnica.

Na alca?ova de Santarem as ameias de D. Affonso Henriques substituem-se por ignobeis grades de ferro fundido e pintado de verde.

A destrui??o das portas de muralha, bellos arcos na maior parte ogivaes, com que tanto se enobreciam algumas das nossas velhas cidades, tem sido a grande preocupa??o vesanica das municipalidades modernas, absolutamente ignorantes, ao que parece, das gloriosas tradi??es locaes de que esses monumentos eram o testemunho authentico e sagrado.

Dentro d'essa cathegoria de delinquentes ser? difficil disputar o primeiro logar da serie pathologica ? cidade do Porto.

O Arco da Vendoma, ? rua Chan, que havia sido uma das portas da circumvala??o sueva, sobre a qual a rainha D. Tareja fizera collocar em ediculo a imagem da Senhora da Vendoma, trazida de Fran?a pelo bispo D. Nonego, ? desapiedadamente demolida em nossos dias, depois de oito seculos de existencia.

O Arco da Senhora Sant'Anna, que deu o titulo ? linda narrativa portuense de Almeida Garrett, ? sacrificado como os demais ao alvi?o municipal da cidade invicta.

O ultimo emfim dos arcos do Porto, ainda ha bem poucos annos destruido, foi o da Porta Nobre, por onde faziam a sua entrada solemne os bispos e os reis, que os moradores da Reboleira recebiam triumphalmente na sua rua, juncada de espadanas e de funcho, entre fest?es de flores pendentes das velhas janellas de resalto, ? flamenga, sob punhados de trigo, reluzente no ar em chuva de ouro.

Em Santarem disseram-me ha dias, nos proprios logares em que se est? mancumunando o delicto, que os vereadores projectam agora demolir a Torre das Caba?as.

Quando a rainha D. Maria I visitou Santarem em 1785, botaram-se as medidas do c?che de sua magestade a todo o caminho que elle tinha de percorrer, e desfizeram-se diligentemente a pic?o, nas ruas da villa, todas as protuberancias architectonicas em que se anteviu algum risco de entala??o para o trajecto da real berlinda.

No Canto da Cruz cortaram-se, como quem corta queijo, os vertices dos angulos nos edificios de esquinas menos reverenciosas para com o regio transito. Entre a Torre do Alpor?o e a Torre das Caba?as o passo por?m apresentou-se especialmente difficil. Applicou-se-lhe a bitola do regio c?che, que o secretario de estado visconde de Villa Nova da Cerveira mand?ra previdentemente de Salvaterra de Magos ao juiz de f?ra, presidente da camara municipal da villa, e consignou-se que, por obra infernal de palmo ou palmo e meio de saliencia, o magestatico vehiculo da soberana teria de ficar engasgalhado pelos cubos das rodas entre os dois monumentos. Ent?o, depois de haverem marrado por um momento no problema, e uns nos outros, os vereadores scalabitanos removeram a difficuldade, redobando a fita da medi??o inutilmente esticada, mettendo os solicitos e suados covados debaixo dos bra?os, e mandando simplesmente arrasar a Torre do Alpor?o, monumento do dominio romano, do alto do qual, durante a occupa??o serracena, o arabe dictava ao povo a lei de Mahomet.

Os conspicuos burguezes do senado de Santarem n?o podem ter opini?o sobre esta quest?o de esthetica, porque elles carecem absolutamente do ponto de vista em que deve de ser considerada a sua Torre das Caba?as, a qual evidentemente se n?o construiu para que suas excellencias a alveitassem doutoralmente de dentro dos pa?os do concelho, ou c? fora na pra?a, de chapeus altos, sobrecasacas dominicaes e barbas feitas, abordoados aos seus chapeus de sol, e muito mais garantidamente cucurbitaceos que o seu proprio cabaceiro. A Torre das Caba?as fez-se para ser olhada do vasto campo da Golleg? ou do campo de Almeirim, vindo do Valle, vindo de Coruche, de Benavente, ou da Barquinha, atravez dos olivaes, das terras de semeadura e das eiras do termo de Santarem, de jaqueta e sapatos de prateleira, montando uma egua de maioral, de cabe?ada de esparto, almatrixa de pelles e estribos chapeados. O Cabaceiro de Santarem, com a sua cupula em trempe, as suas caba?as de barro e o seu sino grande de correr e de governar as horas, fez-se para o largo e ridente campo ribatejano, fez-se para os campinos, para os vaqueiros, para os almocreves, e talvez se fizesse tambem para mim, que n?o vejo em arte raz?o alguma plausivel para que, como motivo ornamental de uma torre, ? folha do acantho ou ao chavelho em voluta da architectura grega se prefira a nossa linda pucarinha de barro vermelho de Reguengo, da Atalaia ou da Asseiceira.

N?o! o senado santareno tem de deixar ficar onde ella est? a sua t?o caracteristica torre, para que se n?o diga que dos tres potes, que de antiga tradi??o consta acharem-se soterrados na Alca?ova, um cheio de ouro, outro cheio de prata, outro cheio de peste, a camara da localidade n?o encontrou sen?o o ultimo para o despejar sobre os monumentos publicos sujeitos ? sua jurisdi??o e confiados ? sua guarda.

Do mosteiro de Alcoba?a desapparece todo um claustro do tempo de D. Affonso Henriques.

Em S. Francisco d'Evora ampliam-se as dimens?es da rosacea no frontespicio da egreja, abalando as cantarias circumstantes e pondo em risco todo o equilibrio da empena. Al?m d'isso, para o fim de aproveitar a pedra para outras applica??es, desampara-se a abobada, deitando abaixo a ala do convento que lhe servia de encontro.

No castello de Palmella e em S. Salvador de Pa?o de Sousa acham-se violados e deshonrados pelo mais completo despreso, al?m das campas dos cavalleiros de Santiago, o tumulo do principe D. Jorge, e o tumulo de Egas Moniz, que em Pa?o de Sousa dividiram em dois, pondo cada metade para seu lado, em pontos oppostos da egreja. O cofre de pedra que continha a ossada do fiel aio de Affonso Henriques transforma-se em pia de um bebedouro publico.

A sumptuosa egreja do convento de S. Francisco em Santarem, funda??o de D. Sancho II, com as suas tres naves, as suas columnas de preciosos capiteis e os floridos arcos da sua restaura??o manoelina, converte-se em uma das cavallari?as do regimento aquartelado no convento. Violaram-se todos os tumulos que encerrava o claustro e occupavam a egreja, sem que esta, segundo nos consta, fosse nunca dessagrada liturgicamente. Parece que n?o houve tempo para satisfazer essa t?o breve formalidade de respeito.

As sar?as, os silvados, e os subtis rendilhamentos manoelinos do tumulo precioso do conde de Vianna D. Duarte de Menezes, pela circumstancia de ser a esculptura removida para S. Jo?o do Alpor?o pela benemerita commiss?o administrativa do Museu Districtal de Santarem, escaparam miraculosamente aos coices das bestas de guerra, que o governo portuguez destinava ao sagrado monumento erigido pela doce piedade conjugal ? memoria do leal e valoroso soldado de Affonso V, que na conquista de Alcacer-Ceguer se deixou morrer ?s lan?adas para salvar a vida do seu rei.

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