Read Ebook: Alexandre Herculano by Lima Jaime De Magalh Es
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Ebook has 211 lines and 40393 words, and 5 pages
JAYME DE MAGALH?ES LIMA
ALEXANDRE HERCULANO
F. FRAN?A AMADO,
EDITOR. COIMBRA.
ALEXANDRE HERCULANO
Composto o impresso na Typographia Fran?a Amado, rua Ferreira Borges, 115--Coimbra.
JAYME DE MAGALH?ES LIMA
Alexandre Herculano
COIMBRA F. FRAN?A AMADO, EDITOR 1910
Um paladino illuminado e mo?o, intemerato no ardor da juventude e na exalta??o da cren?a que nem o martyrio lograria dominar ou perverter, sonhou a redemp??o da patria desolada pelas guerras, pela fome, pela oppress?o de tyrannias ?vidas e corruptas, por hypocrisias sordidas e degrada??es monstruosas. Sonhou dias de luz e de ventura, de liberdade e de paz, de boa vontade entre os homens, de trabalho honesto, de civismo austero e de religi?o sublimada, formosura e virtude, o resgate da miseria desalentada e tenebrosa em que se afundava um povo, outrora s?o e justamente altivo e agora debatendo-se por se salvar e erguer dos abysmos em que a desventura o havia precipitado. E o paladino partiu a conquistar para a patria a fortuna revelada em vis?es de claridade; e armou-se soldado, transpondo para exercitos do mundo aspira??es divinas, a todos os perigos sujeitando a existencia ephemera, sem que algum fosse capaz de lhe turvar a f?.
Combateu. Foi vencido. Em vez de palmas de triumpho, recebeu as penas do exilio. Desterrado da <
< Proscripto e errante, entre as brumas do norte, <<.......................as auras puras, O murmurar do arroio, o canto da ave, O fremito do bosque, o grato aroma E o vistoso matiz do ameno prado, O lago quedo a reflectir a lua, As montanhas t?o ricas de mysterios, De ?ccos, de sombras, de tristezas santas:>> isso tudo que eram encantos da sua terra, trazia-lh'o ante os olhos, cruelmente, a memoria inexoravel. <<..................A d?r est? no cora??o do profugo Como um cadaver hirto quando espera De noite, em leito n?, que ? tumba o des?am. A d?r aqui ? gelida, immutavel; Pousa em labios alheios que sorriem E at? em sorrir nosso; est? sentada Ao p? do umbral do tecto que nos cobre, Embebida na enxerga do repouso, Entranhada no p?o que nos esmolam, Enroscada qual cobra pe?onhenta No nodoso bord?o do peregrino, E em toda a parte e em todo o tempo ? nossa.>> Embora < Soffreu o supplicio da revolta impotente, algemada em pris?es inexpugnaveis, e entenebreceu-lhe o espirito a turba??o negra da impiedade e da duvida, a derrota da fortaleza do proprio cora??o, mais cruel para o crente do que a ruptura de todos os la?os d'affecto imposta pela violencia estranha. Para o proscripto, quando tudo o que amava se converteu em sombra, a cada passo evocada pela lembran?a desperta em m?goas, < Ao rigor da desventura juntou-se a agonia do desfallecimento. N?o a morte! Porque de toda a oppress?o o sonho renascia. Para os loucos d'amor que por amor combatem, os golpes da fatalidade ateiam a exalta??o em vez de a suffocarem, e nem o nome de Deus j?mais < E cantava, o peregrino! As tribula??es incendiavam-lhe o genio. Esse mesmo sangue denegrido pelas pedras contundentes d'asperos caminhos creava e alimentava flores altas e resplendentes de celeste pureza. O peso das armas n?o partiu as cordas da lyra. Ia occulta e guardada no seio, murmurando de continuo seus gemidos e preces. Nem o fragor das batalhas e as blasphemias atrozes de luctas inhumanas lhe perturbariam a harmonia religiosa. No soldado habitava o poeta, e n?o foi necessario que o soldado pousasse o fusil, para que o poeta deferisse apaixonadamente a voz grandiloqua. Advinhava o < O tempo justificou-lhe a aprehens?o. Pela audacia heroica de guerreiros destemidos, a que o sonhador foi juntar-se, pelejando as suas duras pelejas, os desterrados voltaram <>, e de novo avistaram < Ah, a sua patria! A sua desvairada patria!... O poeta imaginava trazer-lhe legi?es angelicas para a aben?oarem d'infinitas ben??os, e trazia-lhe apenas um bando de homens, muitos quasi santos, todos denodados, e muitos outros fracos porque ? intrepidez do bra?o n?o correspondia a generosidade do animo. E o paladino ingenuo viu rebentar d'esse mesmo s?lo que a imagina??o lhe cobrira de pomares umbrosos e doces, paradisiacos, os fructos mortiferos de seivas envenenadas. A furia das ambi??es agitadas, a desordem e o egoismo vilmente triumphantes, o delirio das obsess?es afogueiadas dos fanaticos, ondas de impiedade c?ga e estupida, o fraco desprotegido contra o forte e a victoria degenerando em ferocidade, o misero recalcado na miseria pela cobi?a infrene do opulento, a virtude insultada, o escarneo e o roubo, tudo quanto ha de infimo nas pervers?es humanas, tudo o poeta viu manchando o < Perante < Ent?o, d'entre aquelles mesmos que elle amava e pelos quaes padecera, muitos lhe voltaram as costas, alguns lhe cuspiram injurias e anethemasiram-no, outros por timidez o abandonaram, e todos assim por diverso modo desconheceram ou negaram a luz que lhes trazia. Mas elle venceria, na for?a invencivel dos fortes, alimentada d'emana??es divinas. Pagavam-lhe os homens com ignominia e deser??o o amor que prodigamente lhes tributava?!... O ch?o da sua patria o receberia, aquelle que todo o alento retribue e a nenhum mente. Resurgiria em lirios a formosura que se mirrava sob o halito pestilento de paix?es funestas; o amor que o p? das baixezas occultava e repellia no rolar de suas nuvens escuras, pousaria na frescura salutar dos campos reverdecidos pelo suor do ermita. Distante dos homens para melhor os servir dando-lhes exemplo, foi o infortunado sonhador offerecer seu esfor?o e fadigas a um peda?o de terra que encontrou inculta, engrinaldando-a de rosas e nutrindo-a de cuidados, para que de seu seio uberrimo dimanasse a delicia do perfume, o refrigerio da sombra, a abundancia do p?o e consola??es do espirito. A enxada do cavador n?o se mostraria inferior, para remir de penas a humanidade, ? bayoneta do soldado e ao verbo inspirado do apostolo; a todos santificaria igualmente o calor do cora??o que os ungia. Agora, a recompensa era certa. Uma vez ao menos sentiria a realidade igual ao sonho. Antecipadamente o sabia, d'uma certeza intima, absoluta. Quando ainda no peito lhe borbotavam vigorosas as esperan?as de regenera??o dos homens pelas luctas e combates, j? entrevia as ben??os ineffaveis da solid?o, j? o seu enlevo se lhe mostr?ra. E apetecendo-a, cantava-a, implorando da generosidade do destino a concess?o d'essa magnifica e incomparavel riqueza, e imaginando, em um lance de antegozo e deleite, a plenitude de vida que ella importava para o seu divino anceio. Muito cedo a invocou e adorou, antes de a encontrar e possuir: <<...........oh, dae-me um valle Onde haja o sol da minha patria, e a brisa Matutina e da tarde, e a vinha e o cedro, E a larangeira em fl?r, e as harmonias Que a natureza em vozes mil murmura Na terra em que eu nasci, embora falte No concerto immortal a voz humana, Que um ermo assim povoar? meus dias>>. Rendido ? vis?o que toda a vida o acompanhou, correu a abra?al-a. No seu bemdito captiveiro viveu os derradeiros dias e n'elle morreu, curadas as feridas do mundo nos balsamos da natureza. Amou sempre! A robustez inviolavel do cora??o havia de salval-o de toda a tormenta, retemperando-o continuamente em estos de amor a Deus e aos homens, por fim consubstanciado na terra m?e e nos filhos dilectos do seu doce ventre, a se?ra, a rosa e a arvore. Esse paladino e sonhador, que t?o gloriosa orbita seguiu e, perfazendo-a, nella consumou a existencia, tem na historia de Portugal o nome de Alexandre Herculano. FASCINA??O DO ERMO FASCINA??O DO ERMO Uma apparente deser??o da cidade, em que viv?ra tantos annos, para se encerrar no retiro d'um tranquillo casal rustico em Val-de-Lobos, a dissolu??o abrupta de multiplicadas rela??es mundanas, litterarias e politicas, d'affectos, de commercio intellectual e de velhos habitos, serena e deliberadamente substituidos pelo isolamento e rudeza do alde?o, no seu aspecto e modo de ser externo, pois, sem embargo, no intimo n?o cessava nem podia cessar a superior distinc??o do espirito; esse acto de estranha energia, que alguns julgaram orgulho e desprendimento irritado, e outros tiveram por enigma indecifravel, foi o facto capital da vida de Alexandre Herculano. Os que na sua existencia anterior se tornaram notaveis e parecem designar marcos da jornada e os que se seguiram a esse golpe de soberano arrojo, n?o parecem mais em ultima conjunc??o do que a experiencia, primeiro, e depois a affirma??o definitiva d'uma individualidade, homogenea na substancia e invariavelmente identica no movimento e nas tendencias, logica, seguida e firme, producto e revela??o d'um caracter inalteravel. A solid?o ser? eternamente o refugio dos fortes, d'aquelles que as tempestades do mundo n?o affei?oaram ? sua obra de descren?a, de mesquinhez, de destrui??o, d'aviltamento, de frouxid?o desalentada, de duvida resignada e de contentamento saciado nas commodidades d'uma vulgarissima animalidade e na trivial vaidade dos instinctos primitivos. Prophetas, santos e heroes, obscuros crentes e almas singelas, innumeraveis espiritos d'elei??o que o isolamento atr?e, conquista e salva de tormentos, dia a dia v?o renovando essa perpetua pagina da historia da humanidade, que f?rma alguma de civilisa??o p?de apagar ou corrigir. A critica, na interpreta??o e auctorisado exame d'um extraordinario e grande mestre, cujo saber e eleva??o foram dignos d'aquelle a que honrou, analysando-lhe a obra portentosa e prestando culto ardente ao seu caracter, viu no < Porventura seria por?m mais justo ou, pelo menos, mais exacto considerar a attitude do ultimo periodo da vida d'Alexandre Herculano, n?o propriamente um suicidio, a morte voluntaria d'uma parte da sua individualidade, mas o perfeito remate, o termo ultimo da evolu??o natural do seu espirito desde o come?o promettida, contida nas primeiras confiss?es da sua consciencia. Com o stoico coincidia no mesmo peito o poeta; e os poetas n?o se suicidam, a n?o ser por press?o de desordem physiologica grave ou no desvairamento de uma surpreza. O poder de crear, sollicitando-lhes de continuo a actividade de que carecem e s?o avidos, salva-os da tenta??o do anniquilamento; das vis?es que se esvaem e, perdendo-se, os deixam prostrados, reanimam-nos as que sem cessar se geram e de novo os inflammam: e caminham, caminham infatigaveis, d'amor em amor, t?o depressa succumbidos como de subito arrebatados por energias mysteriosas e immortaes. Nem Cam?es, nem Dante, nem Petrarca se suicidaram, embora a d?r a nenhum d'elles houvesse poupado. Eurico, que Alexandre Herculano modelou cedo e cedo amou, < Alexandre Herculano foi para Val-de-Lobos, n?o para morrer e sepultar-se ainda quente das palpita??es do seu sangue, mas para viver inteiramente sua vida; n?o para deliberada cessa??o de actividade, mas para a sua mais perfeita expans?o e mais lidima e bella applica??o. Apenas eliminava rela??es e cousas que o atormentavam, estorvando-o de se manter continuadamente, face a face, na presen?a da aspira??o intima. Entrou no claustro que a seu modo edificou, naturalmente porque os das antigas communidades estavam prostituidos e em ruinas. N?o lhe regatei?ra o mundo, atravez das injurias, as lisonjas que concede ? inanidade vaidosa com a mesma insensatez e inconsciente impudor que usa na calumnia, na inveja e na flagella??o do merecimento. Se n?o foi amortalhado em trajo de grande do reino, recamado de chaparia, foi porque constantemente repelliu de si esses symbolos de grandeza emprestada, cobrindo o mais das vezes uma real mesquinhez. O premio que buscava dos seus combates, aquelle que o alegraria, se os estranhos lh'o houvessem dado, era a communh?o na sua f?, de que contrariedade alguma o arrancaria, e o fortalecimento nas suas virtudes, em cuja propaga??o se lhe figurava uma nova patria, rejuvenescida para a gloria. E como essa communh?o e essas virtudes n?o encontrou, sen?o em raros companheiros, desventurados como elle, e da outra, da communh?o na sordidez em que os demais folgavam, estava excluido por avers?o da sua alma, viu-se expulso do banquete, e foi alimentar-se ao longe, n'um recanto obscuro e impoluto, do p?o grosseiro e bemdito da singeleza incorruptivel, a guardar o sacrario que Deus lhe confi?ra. < < N?o era assim. Os resplendores enganosos do mundo por que passou, s?mente para os aborrecer e desprezar, ? que nunca poderiam furtal-o ? fascina??o do ermo. Na verdade, emquanto habitou esse mundo de torpezas ? que necessitava compensa??o da violencia imposta ?s suas tendencias e caracter, e compensa??o n?o alcan?ou. <
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