Read Ebook: A Casa do Saltimbanco by Stolz Mme De Bayard Mile Antoine Illustrator
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Ebook has 1098 lines and 48195 words, and 22 pages
Illustrator: ?mile-Antoine Bayard
BIBLIOTHECA ROSA ILLUSTRADA
A CASA DO SALTIMBANCO
A CASA
SALTIMBANCO
POR
MADAME DE STOLZ
Obra ornada com gravuras
PARIS GUILLARD, AILLAUD & C.ia Livreiros de Suas Magestades O Imperador do Brasil e El-Rei de Portugal. 47, RUA DE SAINT-ANDR?-DES-ARTS.
BIBLIOTHECA ROSA ILLUSTRADA
Paris.--Typ. GUILLARD, AILLAUD & Cia.--1886.
CAPITULO I
Adalberto era feliz.
Seria difficil imaginar uma vivenda mais linda do que aquella em que corriam os primeiros annos de Adalberto; era o campo da Normandia com seus vallados, seus arbustos, extensos prados, campos dourados, com todos os seus perfumes e fl?res. D'estes thesouros participava Adalberto com todas as outras crian?as do logar, porque para todos tinha Deus dado aquellas felicidades; mas, do que s? aquelle rapazinho gozava, com seus irm?os e sua irm?, era d'uma bonita e grande casa, cujas janellas deitavam para um lindissimo jardim, onde se podiam admirar as mais formosas rosas.
Por todos os lados arvores verdes, alamos, sobreiros, carvalhos, ormeiros, por entre as quaes se viam ora ruas caprichosas, ora limpidas aguas onde viviam lindos peixes. No fim do parque havia um labyrintho formado por lilazes e clematites onde a gente se perdia; tantas voltas elle dava. Esse labyrintho parecia feito de proposito para jogar as escondidas; e era um dos grandes divertimentos de Adalberto andar procurando seus irm?os Eugenio e Frederico, e sua irm? Camilla.
Perto do lago havia um bonito casal pertencente aos paes de Adalberto, e alli, uma duzia de vaccas em uma grande arribana, e mais um toiro que mettia medo, apesar do seu olhar bem meigo. Mais longe, n'uma grande estrebaria, sete ou oito cavallos de lavoura, grandes e robustos. Defronte quatrocentos carneiros chegando-se uns para os outros, vivendo felizes e tranquillos. No pateo, na estrebaria, nas mangedouras, na estrumeira, sob os telheiros, por toda a parte gallinhas, frang?os, gallos, gansos, patos, uma multid?o de pequenos seres esvoa?ando, banhando-se, brigando e escarnecendo de todos com uma incrivel sem ceremonia.
A tia Barru era a rainha d'este pacato imperio, ou por outra era a caseira; sendo muito razoavel, s? perdia o seu bom humor em duas occasi?es: quando um criado se embriagava, ou quando uma gallinha ia esconder longe os ovos. N'estes casos, que ella reputava merecedores da forca, ralhava do criado e da gallinha durante muito tempo; se n?o tinham emenda; punha-se o criado na rua e a gallinha na panella.
Era uma boa mulhersinha, bem activa, um pouco impertigada, mas muito bondosa e inteiramente dedicada ? familia, e ? casa. Estava alli havia tanto tempo que ninguem fazia idea do que seria Valneige sem Rosinha, nem Rosinha sem Valneige.
Em vez de se dizer; o relogio vae dar horas; dizia-se, Rosinha vae passar, e o regimento desfilava em boa ordem sem dar palavra. Os senhores de Valneige approvavam muito esta vigilancia que tornava mais facil a sua, e as proprias crian?as, temendo um pouco os ares s?rios que a velha sabia tomar, gostavam comtudo d'ella porque era justa, porque fazia os d?ces, e porque era sempre ella quem da melhor vontade se prestava aos seus caprichos, comtanto que esses caprichos n?o se lembrassem de vir uma hora mais tarde ou mais cedo do que devia ser. O relogio primeiro do que tudo.
CAPITULO II
Adalberto tinha um grande defeito.
Adalberto era um bom rapazinho, d'olhos vivos, sorriso fino, corpinho bem feito, delgado como uma gazella, habil, agil e capaz de todas as galanterias. Era dotado d'uma physionomia feliz, quer dizer, tinha, quando n?o era mau, aquella express?o de frescura e de amabilidade, que previne os estranhos a favor d'uma crian?a.
Todos eram bons com elle, todos tinham empenho em lhe dar gosto, e comtudo, quando se conhecia bem, via-se que tinha um grande defeito, um muito grande defeito... Era desobediente!
Em vez de se lembrar que todas as pessoas que o rodeavam sabiam mais do que elle, tomava ares de sabich?o, e suppunha que podia sem inconveniente fazer isto ou aquillo, tendo-lhe sido prohibido. Enganava-se com certeza, porque, mesmo quando n?o resulte nenhum prejuiso apparente, o mal da desobediencia ? real, e vale a pena evital-o por causa dos grandes desgostos a que ordinariamente d? logar.
J? se viu um rapazinho que foge das vistas de seus paes? que vae justamente para onde n?o deve ir? que mexe n'uma e n'outra coisa, unicamente porque lh'o prohibiram? que s? parece divertir-se bem nas horas destinadas para o trabalho? Se alguem viu um rapazinho, que se pare?a com este retrato, pode dizer:--Era assim Adalberto.--Pobre Adalberto! Eu vou contar as suas terriveis aventuras; terriveis, sim, porque os cabellos se me p?em em p?, quando penso nos perigos, que esta crian?a correu por se ter habituado a desobedecer.
E comtudo, dir?o, havia muitos divertimentos em Valneige? Sim, havia muitos, sem se alcan?arem pela desobediencia. Podia-se correr de roda das casas, das alamedas adjacentes e no pequeno bosque. Quando as crian?as se mettiam nisso andavam bem uma legua. Havia um gymnasio, onde o corpo se exercitava a ser agil e desembara?ado; subiam ? escada de corda, balou?avam-se, divertiam-se; emfim Adalberto tinha um gosto particular por este genero de entretenimento.
Mas, sobretudo, aquando se lhes juntavam os seus amiguinhos, era ent?o que os pequenos se divertiam. Todos n?s conhecemos estes divertimentos: p?em-se em commum o bom humor, as inven??es, as espertezas; faz-se d'isto um grande lote, e cada um participa d'elle sem prejudicar ninguem. Chega-se por este meio a novos resultados.
Em Valneige gostavam d'estas reuni?es de crian?as, e, como a visinhan?a o permittia, viam-se chegar na quinta feira de tarde tres ou quatro diabretes, que s? queriam divertir-se. Davam-se ent?o mil saltos, fazia-se um barulho de ensurdecer, e toda a especie de coisas muito innocentes, mas muito aborrecidas para o publico. ? quinta feira Rosinha tinha saudades da sua terra, da sua aldeia e at? do seu ber?o, porque passava os seus ultimos annos a lamentar a desgra?a de se ter dedicado com todas as v?ras da sua alma a estes travessos pequenos, dizia ella, que a faziam enraivecer, e que ella n?o deixaria por um imperio. Rosinha experimentava, como muitas vezes nos succede, duas sensa??es oppostas; por um lado a necessidade de se dedicar; por outro, a de lamentar, desde pela manh? at? ? noite, a sua dedica??o. Quando qualquer d'aquelles queridos pequenos tinha algum desgosto, se cahia, por exemplo, e esfollava o nariz, a velha chorava e curava-o o melhor que sabia, mas depois, zangava-se com aquelle mesmo nariz por se ter feito mal, porque era fazer-lhe tambem mal a ella.
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Isto dizia ella no inverno, mas quando a neve se derretia, se algum dos pequenos lhe perguntava: Ent?o, Rosinha, quando parte? Respondia segundo as circumstancias: <
Respondia assim a pobre velha, e a neve derretia-se, as arvores rebentavam, as folhas amarelleciam, cahiam, e Rosinha ficava, presa pelo la?o mais forte que ha no mundo: uma antiga e verdadeira affei??o.
Na quinta feira, isto succedia cincoenta e duas vezes por anno, Rosinha julgava mesmo que j? n?o gostava de Valneige, nada, nada. Porque? Porque as horas n?o eram destinadas como de costume, e estava convencionado brincar-se desde o meio dia at? ao jantar. Ora as brincadeiras s?o uma excellente occasi?o para se rasgar as cal?as e tudo mais, para se quebrar todas as coisas, at? a cabe?a.
Eis a raz?o porque a boa mulher passava toda a quarta feira a dizer:
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N?s, que n?o andamos atraz das crian?as, podemos achar que taes brincadeiras s?o muito divertidas. A senhora de Valneige punha ? disposi??o de todos raquetas, volantes, pe?es, ball?es, pellas, arcos, e n?o sei que mais ainda!
Come?ava-se ao meio dia este alegre regabofe, e a boa m?e apparecia de vez em quando como um poder protector, que faz todo o bem possivel e evita todo o mal, e dizia com a sua voz grave e meiga:
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Dito isto Eugenio tomava o freio nos dentes, se fazia de cavallo, ou dava estalos com o chicote, se fazia de cocheiro.
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Adalberto sabia de c?r estas prohibi??es e muitas outras. Quando ouvia sua m?e resumir tudo n'estas simples palavras: <
Adalberto havia desobedecido
Quaesquer que sejam os encantos da vida quotidiana, d? sempre gosto quebrar a monotonia mesmo nos nossos prazeres. ? facil imaginar os transportes de alegria, que houve na familia, quando o senhor de Valneige declarou um bello dia, ao almo?o, que ia p?r em pratica um lindo projecto, formado havia muito tempo, e t?o depressa aceito como combatido e adiado.
Esse plano reunia todas as condi??es para agradar, n?o s? por ser encantador, mas porque era esperado com anciedade; havia um anno que os pequenos perguntavam uns aos outros em voz alta ou em segredo: quando ser? a grande viagem, quando veremos Paris, Strasbourgo, Vienna, Praga? lagos, montanhas?... Bastava esta id?a para fazer dar um pulo na cadeira, mesmo quando se estava acabando uma pagina de escripta, o que dava em resultado um grande borr?o.
Estava, finalmente, decidido; ia-se partir para a Allemanha; ia-se viajar com socego, sem fadiga, sem outro fim mais de que a instruc??o sem livros e o divertimento. ? verdade que a senhora de Valneige, que desejava particularmente esta viagem, tinha uma outra raz?o que n?o dizia; dava-lhe cuidado a saude de seu marido, e os medicos julgavam que o melhor remedio seria a mudan?a d'ar e da maneira de viver; esperavam combater assim uma especie de melancolia nervosa, de que soffria o senhor de Valneige, e que de tempos a tempos era acompanhada de crescimentos.
Sua extremosa esposa disfar?ava, cuidadosamente, para n?o aggravar o mal, todas as suas inquieta??es. Quanto ?s crian?as, como seu pae n?o estava de cama e se vestia como toda a gente, achavam-no optimamente.
Quando se soube da decis?o deram-se palmas ?s palavras do querido pae, e quando elle disse:
Partimos d'aqui a oito dias; saltaram-lhe ao pesco?o...
Oito dias depois estava a caminho toda a familia; o fiel Gervasio, criado de confian?a, acompanhava os viajantes e todos estavam contentissimos, excepto a velha Rosinha que tinha chorado boas lagrimas vendo partir os seus queridos filhos, como ella lhes chamava. Em os n?o vendo, julgava-os perdidos... pobre velha! se ella podesse adevinhar... mas n?o, n?o digamos nada.
Demoraram-se dez dias em Paris. As crian?as admiraram sobretudo os passeios. A differen?a das idades e de instruc??o fazia-se sentir na diversidade das aprecia??es. Por exemplo, em frente do palacio das Tulherias, Adalberto quasi que n?o olhava para o monumento historico, mas n?o se cansava de v?r os peixinhos encarnados que nadavam nos tanques, e os magestosos cysnes, cuja ra?a viu passar tantos acontecimentos, sem que por isso saiba a historia de Fran?a. Surprehendeu-o tambem muito o comprimento dos Campos Elysios, a multid?o, as carruagens; mas o que sobretudo o impressionava, e d'uma maneira desagradavel, era a ordem, que lhe tinham dado, de n?o passear sem ir pela m?o d'alguem. Isto pareceu-lhe insupportavel, e fez desmerecer consideravelmente, na sua opini?o, os esplendores da capital. Pois elle t?o independente em Valneige n?o teria vindo a Paris sen?o para ser tratado como uma pequenita? Que vergonha! um homem! Coitado! pobre pequeno! Se elle podesse imaginar... mas n?o, ainda n?o ? tempo.
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