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Read Ebook: A Casa do Saltimbanco by Stolz Mme De Bayard Mile Antoine Illustrator

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Ebook has 1098 lines and 48195 words, and 22 pages

Demoraram-se dez dias em Paris. As crian?as admiraram sobretudo os passeios. A differen?a das idades e de instruc??o fazia-se sentir na diversidade das aprecia??es. Por exemplo, em frente do palacio das Tulherias, Adalberto quasi que n?o olhava para o monumento historico, mas n?o se cansava de v?r os peixinhos encarnados que nadavam nos tanques, e os magestosos cysnes, cuja ra?a viu passar tantos acontecimentos, sem que por isso saiba a historia de Fran?a. Surprehendeu-o tambem muito o comprimento dos Campos Elysios, a multid?o, as carruagens; mas o que sobretudo o impressionava, e d'uma maneira desagradavel, era a ordem, que lhe tinham dado, de n?o passear sem ir pela m?o d'alguem. Isto pareceu-lhe insupportavel, e fez desmerecer consideravelmente, na sua opini?o, os esplendores da capital. Pois elle t?o independente em Valneige n?o teria vindo a Paris sen?o para ser tratado como uma pequenita? Que vergonha! um homem! Coitado! pobre pequeno! Se elle podesse imaginar... mas n?o, ainda n?o ? tempo.

Depois de ter visto em Paris o que mais podia agradar ?s crian?as, o senhor de Valneige tomou o caminho de ferro de Leste, e, parando sempre nas principaes esta??es, chegaram a Strasbourgo, onde admiraram a cathedral, esse grandioso monumento que attesta o desenvolvimento successivo da architectura gothica, desde a sua origem derivada dos cimbres at? ao acabado que se nota na nave principal.

O grande relogio astronomico, cujas horas s?o marcadas por figuras, que apparecem e desapparecem; espantou e maravilhou os nossos viajantes muito mais do que o cruzeiro e a fachada. Quanto ao pequeno Adalberto, a despeito dos famosos architectos, e at? de Vauban e da sua cidadella em pentagono, s? viu em Strasbourgo uma unica coisa, o gallo que canta sobre a torrinha lateral, no momento em que o maravilhoso relogio d? meiodia e em que todos os apostolos apparecem juntos. Um gallo fingido e que canta como se fosse verdadeiro! ? incrivel!

O pequeno ficou pois espantado, n?o propriamente de Strasbourgo, mas do gallo que para elle era tudo em Strasbourgo. Comtudo, esta bonita e magestosa cidade tinha tambem um grande inconveniente... era preciso andar pela m?o!

Partiu-se para Vienna, parou-se pelo caminho, como se tinha feito de Paris a Strasbourgo. O senhor de Valneige tendo resolvido demorar-se pelo menos oito dias na capital da Austria, houve tempo de v?r muitas coisas e de passear com vagar na grande alameda do Prater e n'outras mais. As crian?as n?o se cansavam de admirar o que se chama o Prater selvagem, parte do qual ? uma antiga floresta, onde pastam veados e cabritos montezes. Estes, lindos animaes, juntando as vantagens da vida domestica aos encantos da liberdade, ouvem, todas as noites o som da buzina, e dirigem-se para junto da casa de campo, onde os espera uma distribui??o de ra??o.

Eugenio e Frederico achavam isto uma bella id?a, e tinham raz?o.

O chefe da familia levou seus filhos ao arsenal e fel-os visitar as differentes officinas, onde se fabricam armas. Passaram alli tres horas e decidiram depois seguir para S. Cyro.

A senhora de Valneige tendo mostrado desejo de conhecer os arredores de Vienna, seguindo em caminho de ferro a margem direita do Danubio, todo o rancho se p?z a caminho. Viu-se primeiro Schonbrunn, castello imperial, acabado no tempo de Maria Theresa. N'este castello nota-se o quarto onde Napole?o assignou o tratado de Schonbrunn em 1809, e onde vinte e tres annos depois, pela instabilidade das coisas humanas, morreu seu filho o duque de Reichstadt. Adalberto, pela sua pouca idade, reparou menos n'este contraste historico do que nas trinta e duas estatuas de marmore, que ornam a linda fonte, que d? o nome ao castello, e sobretudo no le?o e nos outros animaes que se v?em nas jaulas.

Visitaram tambem o castello de Luxembourgo. De todas as recorda??es austriacas, as que mais prenderam a atten??o de Adalberto, foram as velhas carpas doiradas, que viu no lago, quando voltaram do castello para a esta??o do caminho de ferro; deu-lhes p?o, que ellas se dignaram aceitar, como tinham feito os peixinhos encarnados das Tulherias. V?-se que Adalberto era bem recebido n?o s? em Fran?a mas na Austria.

Passaram-se rapidamente estes oito dias e os viajantes emcaminharam-se para Praga, parando sempre nas grandes esta??es. Adalberto deixou Vienna sem saudade; achava que havia na capital da Austria uma coisa muito aborrecida, um verdadeiro e muito grande inconveniente--era preciso andar pela m?o. N?o se pode fazer id?a do espirito de independencia d'este sujeitinho. Obedecer era para elle um supplicio. Pobre, pobre Adalberto!

O senhor de Valneige, que n?o perdia occasi?o de instruir seus filhos, contou-lhes em poucas palavras a historia d'aquelle terreno elevado, que est? como fechado por uma cinta de montanhas e cortado pelas ramifica??es das mesmas montanhas.

Este povo offerece um espectaculo muito singular no nosso velho mundo: desprezado, perseguido durante trezentos annos, e, apezar d'isso, sempre de p?, sempre errante, roubando por onde passa e lendo o futuro. Percebe-se que justamente pelos seus exquisitos costumes casem entre si, e assim se prepetua esta ra?a independente, temida n?o sem raz?o, e vivendo no meio do povo sem nunca se misturar com elle, a n?o ser para lhe recitar as suas loucuras e embustes, divertil-o um momento e tirar d'elle o pouco de que precisa para prover as suas mui limitadas necessidades. Comtudo, em certos paizes, os Ciganos n?o s?o errantes; os de Hespanha, os Gitanos, habitam em Cordova e Sevilha bairros separados; mas fallam em toda a parte a mesma lingua; esta lingua ? doce e harmoniosa, e deriva do slavo.

? notavel o profundo respeito que estes homens independentes teem ao seu proprio chefe. A sua teima, a sua obstina??o cede ante a authoridade d'aquelle que os governa, e ? preciso convir que, ao menos n'isto, s?o melhores do que n?s.

Julga-se que a sua origem remonta aos antigos Persas, que vieram estabelecer-se no Egypto, quando Cambyses, o indigno filho de Cyrus, se apoderou d'aquelle lindo paiz; sabe-se que o conseguio servindo-se de c?es e gatos, que p?z na frente do seu exercito, e sobre os quaes os Egypcios n?o ousaram lan?ar frechas, porque, a seus olhos, estes animaes eram sagrados. ? a favor d'essa opini?o, sobre a origem d'este povo, a physionomia bella e expressiva da maior parte dos Ciganos, que faz lembrar o typo persa. Certos cantos antigos, que se teem conservado n'esta ra?a, fazem tambem supp?r, que o Egypto os viu antigamente; entre outros uma especie de cantiga em que celebram as bellezas do Nilo e lhe enviam saudosos queixumes.

Os ciganos s?o geralmente fortes e bem feitos e dotados d'uma grande flexibilidade de corpo. As mulheres teem a cintura delgada, flexivel, os movimentos graciosos, e, devemos dizel-o em seu louvor, tem persistido entre ellas, apesar de serem semi-selvagens, um respeito admiravel pela sua honra: s?o notaveis, sobretudo em Hespanha, pela severidade de seus costumes.

Eil-os pois na Bohemia, os nossos viajantes.

Praga encantou-os pelas suas casas todas com terra?os; tanto nas planicies como nas collinas, pelo seu palacio real, torres, mirantes, campanarios, e pelas alturas que dominam as duas margens do Moldau.

Esta vista ? realmente d'um effeito surprehendente, e, quando nos achamos em frente d'estas bellezas, sentimos quanto se est? longe do Sena, o que sempre agrada aos francezes que viajam, apezar de regressarem ao seu paiz com verdadeira alegria.

Adalberto estava sobretudo enlevado por n?o perceber nada da conversa dos passeantes quando passava por elles. Mais de metade fallava bohemio e os outros allem?o.

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Mais uma raz?o para andar pela m?o,--respondia Camilla que, por instincto feminino, participava da constante inquieta??o de sua m?e a respeito do pequeno desobediente. Mas, por mais que dissesse, elle n?o fazia caso, e era preciso uma ordem bem positiva de seu pae ou de sua m?e para o obrigar a dar a m?o; mesmo assim escapava-se muitas vezes para v?r isto ou aquillo, e estas maldades causavam uma especie de pequena guerra, na qual as armas nem sempre eram cortezes.

A vista da ponte dos dezeseis arcos lan?ada sobre o Moldau chamou a atten??o dos nossos viajantes. Com effeito, com as suas torres antigas, suas estatuas de pedra e as suas sanguinolentas recorda??es, parece um velho guerreiro, que defendeu bem a sua bandeira. Como se poderia deixar de prestar homenagem ? estatua de bronze d'aquelle nobre padroeiro da Bohemia, generoso martyr do segredo inviolavel da confiss?o? Tomou-se cuidado em indicar a todos os seculos o lugar exacto onde o padre, para n?o perder a alma, antes quiz perder o corpo do que faltar ao segredo do sacramento. Foi afogado no Moldau pela barbara ordem do Imperador Wencesl?u. Os christ?os do seu tempo admiraram-n'o e os de hoje v?o ainda todos os annos aos milhares, no dia do anniversario do seu supplicio, v?r este sitio do Moldau, que recordar? sempre S. Jo?o Nepomuceno.

Visitaram o bairro occupado pela nobreza bohemia, e toda a parte da cidade que limita ao norte o palacio archiepiscopal. Depois foi-se v?r a cathedral. O senhor de Valneige, que tinha visitado alguns annos antes a de Colonia, achou grande analogia entre estes dois monumentos, que datam um e outro do seculo decimo quarto. A cathedral de Praga ? muito mais vasta; por isso o senhor de Valneige dizia rindo que os dois templos lhe faziam o effeito de dois gemeos, dos quaes um tivesse crescido mais do que o outro. Foi com grande devo??o que a senhora de Valneige fez ajoelhar seu filho mais novo deante das reliquias de Santo Adalberto, que est?o na pequena capella octogona da entrada. Pobre mulher! emquanto que o pequeno distrahido, como se ? n'aquella idade, olhava para a direita e para a esquerda, ella, inclinada sobre a sua cabe?a loira, orava commovida, como se presentisse a desgra?a que ia ferir-la...

Na nave da cathedral, admiraram o mausoleo real, de marmore e alabastro, que data do fim do seculo dezeseis, e sob o qual teem vindo por sua vez repousar os grandes da terra.

Uma bala de artilheria suspensa por uma cad?a a um pilar e cahida n'esta Igreja durante a guerra dos sete annos, excitou a atten??o de Eugenio e de Frederico, e mesmo a do seu atrevido e pequeno irm?o. Camilla aproveitou a occasi?o para dizer mais uma vez que detestava a guerra, que era uma coisa abominavel; e o terno olhar de sua m?e encontrou o d'ella.

Em presen?a de taes recorda??es bellicosas ? natural ao homem pensar na gloria, mas a mulher pensa no soffrimento; ? que a sua miss?o n?o ? a mesma: a um cabe-lhe defender; ? outra consolar.

Desde o primeiro dia, a familia percorreu a cidade de Praga, para ter d'ella uma idea geral, fazendo comtudo ten??o de se demorar ao menos uma semana, depois da qual se pensaria na volta. A esta??o ia adiantada, fazia j? frio, os dias eram pequenos, era preciso regressar ao seu paiz e ao seu lar, thesouro do rico e do pobre.

? noitinha, o senhor de Valneige, s? com seus filhos , fez uma excurs?o ao bairro de Carolinenthal, ao nordeste de Praga. Este sitio ? o centro d'uma grande actividade industrial. Era a hora em que uma multid?o de operarios sahia das fabricas: o espectaculo d'esta popula??o laboriosa enchendo as ruas direitas e bem construidas era curioso d'observar; o senhor de Valneige fazia-o notar aos dois mais velhos, e Adalberto, durante este tempo, reparava, como fazem todas as crian?as, para os incidentes do caminho: um cavallo que cahe, um c?o em que batem. Quando sua m?e e sua irm? n?o estavam presentes tinha um pouco mais de liberdade; seu pae n?o pensava sempre em lhe fazer dar a m?o, ainda que esta recommenda??o tivesse sido terminante desde que andavam viajando. Quanto a seus irm?os, confessavam baixinho que esta ordem, cheia de raz?o, devia ser muito aborrecida, e, por consequencia, eram muito desleixados sobre este artigo da lei. Adalberto, n'essa tarde, estava mais do que nunca tentado a desobedecer; cedeu ? tenta??o e ficou de proposito para traz, emquanto seu pae estava distrahido, e mostrava a seus filhos um vasto quartel, onde cabe um regimento completo.

Havia n'este sitio um homem que vendia passaros; era muito mais divertido do que o quartel; Adalberto parou:

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Infelizmente dois lindissimos passarinhos acabavam de declarar guerra um ao outro; o nosso futuro militar, sem ter estudado a quest?o politica do momento, tomou o mais vivo interesse no combate. Um tinha uma p?upa, o outro n?o; pareciam de for?a, eguaes, e, como nenhuma potencia estrangeira intervinha, o negocio podia durar muito tempo e custar a vida a um dos combatentes, talvez a ambos. N?o era preciso mais para encantar o nosso pequeno official; declarou-se inteiramente pelo de p?upa, e poz-se a julgar gravemente as bicadas que choviam sobre o campo da batalha. A p?upa foi por um momento victoriosa, mas, n?o tendo sabido conservar a defensiva, tornou-se victima d'uma retirada simulada e ficou litteralmente vencida, porque cahiu, coitadinha! sobre a areia fina da gaiola, e Adalberto, lembrando-se de repente, em vista d'esta gloria decahida, que tinha ficado s?sinho, afastou-se precipitadamente do lugar da tenta??o.

O vendedor, por?m, occupava a entrada d'uma encruzilhada; qual das ruas tomar? O pequeno seguiu pela da direita, e, n?o avistando logo seu pae e seus irm?os, voltou para traz e entrou n'uma rua proxima, sem comtudo ter melhor exito. Quiz ent?o dirigir-se aos que passavam para lhes perguntar o caminho... Mas como? Chegado n'aquella manh? nada notou e n?o se lembrava mesmo do nome difficil, que tinha o seu hotel. N'este embara?o interrogava os operarios das fabricas que, mais felizes do que elle, voltavam para suas casas; esta boa gente n?o o comprehendia. Lembra-se com verdadeira inquieta??o, que est? n'um paiz estrangeiro, perfeitamente estrangeiro! Aperta-se-lhe o cora??o, tem vontade de chorar e n?o p?de; anda, anda at? que emfim, morto de cansa?o, encontra um homem d'uma estatura elevada, que repara muito n'elle, se aproxima e lhe falla baixo em mau francez. Este homem ouve a sua resposta, e v?-se a crian?a olhar para elle com confian?a e dar a m?o ao desconhecido, que o leva depressa, depressa, depressa.

Durante este tempo o senhor de Valneige, victima d'uma horrivel inquieta??o, percorria as ruas adjacentes; teria logo achado Adalberto, se este n?o tivesse tomado uma direc??o completamente opposta. O desgra?ado pae ia, vinha, procurava. Seus filhos ajudavam-no com uma anciedade facil de comprehender. O senhor de Valneige sabia pouco allem?o, apenas o necessario para as necessidades previstas de qualquer viagem; mas que difficuldade para fallar doutra coisa e sobretudo para trocar com rapidez estas meias palavras, que podem fazer encontrar uma crian?a perdida! ? for?a de inquieta??o quiz acreditar que seu filho teria sabido fazer com que o conduzissem ao hotel, onde estaria tranquillamente sentado entre sua m?e e sua irm?. Encaminharam-se para o hotel a passos largos e em silencio.

Uma vez chegados o senhor de Valneige n?o ousou subir a escada; n?o sabia como havia de apresentar-se diante de sua mulher... Ella levantou-se quando seu marido, pallido e transtornado, abriu a porta do quarto, e, comprehendendo a pergunta antes de lhe ter sido feita, respondeu com a express?o d'um desespero subito; <>

Ha momentos na vida, que n?o podem descrever-se. ? preciso ser pae, ? preciso ser m?e, para se fazer id?a da d?r profunda, immensa, causada pela desappari??o d'um filho, quando n?o foi Deus que o arrebatou do lar paterno. Ao menos aquelles que o v?em morrer, sabem onde devem procural-o pela lembran?a; todo o desgosto ? para os que ficam, mas elle n?o p?de soffrer; seus paes sabem-no bem e as suas lagrimas n?o s?o sem consola??o; mas perdido, e perdido sobre a terra! sobre a terra onde ha o mal e os malvados... oh! ? horroroso.

Sem se deixar succumbir um s? instante, o senhor de Valneige, acompanhado de Gervasio, tornou a percorrer a cidade; apoderou-se d'elle uma especie de febre, que o impedia de sentir o cansa?o, e o bom Gervasio suspirava, pensando no pobre pequeno, que vira nascer.

O senhor de Valneige apressou-se a recorrer ?s authoridades.

Ah! como aquelle desgra?ado pae sentia o cora??o afflicto, quando descrevia os signaes exteriores, que podiam fazer reconhecer seu filho; era loiro, a pelle branca e rosada, uma covinha por baixo da face esquerda, a barba um poucachinho dividida, os olhos castanhos e vivos, uma voz argentina como a de uma rapariga, o que contrastava com os movimentos d'uma bravura inteiramente masculina. A sua figura era, quando muito, d'uma crian?a de sete annos, apesar d'elle ter perto de oito.

Trajava um fato de panno azul escuro e um collarinho liso, que no momento de sahir tinha sujado de tinta, um pequeno borr?o apenas visivel na parte de diante do lado esquerdo. Ao pesco?o tinha suspensa, desde o baptismo, uma medalha de oiro, representando a Santa Virgem, com os bra?os abertos e a cabe?a inclinada. Tinha-lh'a dado sua m?e, pedindo ? Rainha do C?o que o livrasse do peccado e da morte, em quanto ella fosse viva. Pobre mulher! tinha perdido o seu filho querido, o seu filho mais novo! Pode ser, oh! pode ser que fosse levado por homens crueis, que o fariam participar d'um viver miseravel, que maltratariam o seu corpinho, e que tentariam perverter sua alma innocente com maus exemplos e blasphemias. A esta id?a, que n?o a deixava, a m?e sentia-se desfallecer. Teria preferido antes vel-o morrer sob as suas vistas do que entregue a gente infame, que faria da sua infancia um longo martyrio, e que talvez o encaminhasse na senda do vicio.

O Senhor de Valneige, completamente desanimado, voltou para o hotel; ninguem tinha visto a crian?a; nenhuns esclarecimentos se tinham obtido; continuava o mysterio mais profundo sem se saber o que se havia de dizer nem pensar a tal respeito. Iam empregar-se todos os meios possiveis para descobrir Adalberto: mas para os desgra?ados paes s? restava esperar. Esperar quando se ama um filho mais do que a si mesmo, esperar sem saber se elle ainda respira, se soffre, se chama, esperar n'estas condi??es, ? morrer todos os dias! Passou-se uma semana, uma outra, ainda outra; um mez, dois mezes, tres mezes, nada... Nenhum indicio, nenhuma esperan?a proxima. Foi preciso voltar para Fran?a, depois de se ter estabelecido todos os meios possiveis de correspondencia com Praga; mas toda a gente estava convencida de que o pequeno tinha sido levado para longe, e que s? um acaso providencial o poderia fazer achar.

A primavera voltou, Valneige readquiriu a sua belleza, frescura; os passaros cantavam, tudo se reanim?ra no campo, e s? tres cora??es bem infelizes n?o quizeram tomar parte n'esta felicidade. Uma velha agitava-se, inquieta, perturbada, irascivel, accusando todos de negligencia, e accusando-se a si mesma de n?o ter sabido prever e impedir o mal; era a pobre Rosinha, que tinha emmagrecido por causa d'isto! Um homem tinha-se tornado grave e sombrio; j? n?o tinha anima??o; a melancolia da doen?a, a que era sujeito, tinha-se tornado o seu estado habitual; os seus negocios estavam descurados, os seus planos futuros abandonados, temia-se que a sua saude, j? muito melindrosa, se alterasse profundamente; era o pae. Uma mulher ia e vinha vagarosamente, tratava de seu marido, de seus filhos, da sua casa e dos pobres; mas no seu cora??o n?o entrava alegria; tudo n'ella era triste, at? o bondoso sorriso com que acompanhava as suas ac??es para esconder a sua pena; uma energia verdadeiramente christ? era o que fazia com que essa mulher n?o descurasse o mais pequeno dever. A sua vida era uma continua ora??o. Pensando, girando, andando, chamava! Chamava seu pobre filho por todas as aspira??es do seu cora??o, pela sua coragem, pela sua dedica??o, pela sua caridade para com os desgra?ados, com todas as v?ras da sua alma. E ? noite, chamava ainda mais por elle, e as suas lagrimas corriam com uma amarga esperan?a; e ao p? do altar, quando estava s? com Deus, n?o podendo abafar os solu?os, dizia unicamente, sabendo que o Senhor a comprehenderia:

<>

CAPITULO IV

Adalberto estava bem longe.

Na aldeia tudo ? um acontecimento, at? a gallinha que canta como o gallo, e que logo ? condemnada ? morte porque isso se toma por agouro. P?de imaginar-se o effeito, que produziu em Valneige o desapparecimento do pequeno Adalberto.

N?o se fallava d'outra coisa e n?o tinham fim as conjecturas, nas quaes havia uma parte maravilhosa, devida ? credulidade e supersti??o d'aquella boa gente. Um dia veio uma mulher ter com Rosinha e disse-lhe: <>

A estas palavras, a velha criada levantou os oculos at? ao meio da testa, o que para ella era uma maneira de v?r melhor. Se lhe tivessem dado o conselho de os fechar n'uma gaveta n?o teria querido. Havia quinze annos, pelo menos, que usava oculos, e punha-os no nariz logo de manh?. Pelo dia adiante, servia-se d'elles para ir ao jardim, para subir e descer a escada; mas quando se tratava de dar atten??o, de distinguir as c?res ou as physionomias, bem depressa os oculos subiam para o meio da testa. A pobre mulher queria-lhes tanto como aos seus proprios olhos.

A Tia Godinette puxou uma cadeira porque o discurso promettia durar.

--Pois ? verdade, senhora Rosinha, vou dizer-lhe uma coisa, que ainda n?o disse a ninguem.

Todos os discursos de Godinette, que fallava muito vagarosamente, come?avam do mesmo modo, e sabia-se at? que ponto se podia contar com a sua discri??o. Quando a boa da mulher n?o dizia os seus negocios a toda a gente, era porque estava s?.

--Ou?a, senhora Rosinha, aqui tem o que me succedeu, a mim que lhe estou fallando. Sonhei a noite passada... Primeiro devo dizer-lhe que me do?am as pernas, mas do?am-me como nunca. Olhe, era exactamente nas barrigas das pernas, como uns canitos que me mordessem. Eu dava voltas na cama, como um frito na frigideira, e esfregava, esfregava... ? necessario sempre esfregar quando doem as pernas; ?s vezes ? o sangue que para. Diga-me uma coisa, senhora Rosinha, o que faz quando lhe doem as pernas?

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