Read Ebook: O Oraculo do Passado do presente e do Futuro (6/7) Parte Sexta: O oraculo da Magica by Serrano Bento
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Ebook has 548 lines and 24968 words, and 11 pages
O ORACULO
PASSADO, DO PRESENTE E DO FUTURO
OU O
Verdadeiro modo de aprender no passado a prevenir o presente, e a adivinhar o futuro
POR
BENTO SERRANO
ASTROLOGO DA SERRA DA ESTRELLA,
OBRA DIVIDIDA EM SETE PARTES, CONTENDO CADA UMA O SEGUINTE:
Parte primeira--O ORACULO DA NOITE Parte Segunda--O ORACULO DAS SALAS Parte Terceira--O ORACULO DOS SEGREDOS Parte Quarta--O ORACULO DAS FLORES Parte Quinta--O ORACULO DAS SINAS Parte Sexta--O ORACULO DA MAGICA Parte Setima--O ORACULO DOS ASTROS
PORTO LIVRARIA PORTUGUEZA--EDITORA 55, Largo dos Loyos, 56 1883
PARTE SEXTA
O ORACULO DA MAGICA
O ESPELHO MAGICO DO AN?O
SEGUIDO DA INTERESSANTE DESCRIP??O DE UM
CASTELLO ENCANTADO
OU O
MONTE DO CASTELLO DAS FADAS
PORTO LIVRARIA PORTUGUEZA--EDITORA 55, Largo dos Loyos, 56 1883
Porto: 1883--Imprensa Commercial--Lavadouros, 16.
O ESPELHO MAGICO DO AN?O
Thom? e Joanninha viviam quasi s?s na sua pequena casinha, f?ra do bosque, t?o s?s como nunca tinham vivido. O pai era couteiro e guarda-matas, e por isso, ou o tempo estivesse bom ou mau, passava muitos dias sem ir a casa, a guardar as florestas e a matar a ca?a silvestre que era para a mesa do senhor das terras. A m?i tinha morrido, e na choupana ninguem estava com os meninos sen?o a av?, que j? via mal e ouvia pouco. A av? passava todo o dia assentada ao lar, menos quando andava coxeando pela cosinha para preparar a pobre comida para os pequenos, ou quando dormia. De dous em dous ou de tres em tres dias vinha Luiza, que morava na aldeia, trazer o leite, o p?o e o que era mais necessario; mas passavam-se semanas sem entrar um homem na choupana.
No ver?o pouco cuidado dava isso aos pequenos, porque iam todos os dias ? escola da aldeia, e era isso para elles um divertimento. Os passaros faziam-lhes companhia cantando alegres; no caminho encontravam lirios ou morangos, que colhiam para venderem na aldeia ou para levarem ao mestre. Passadas as horas de aula, corriam ? floresta, por onde andavam de um para outro lado com o pai, e espreitavam esquilos e cabritinhos montezes, e j? uma vez tinham visto de longe um bello veado. E assim, lendo nos seus livros na escola ou colhendo avelans nas matas, n?o sabiam o que era aborrecimento em todo o ver?o.
Mas no inverno era verdadeiramente triste, porque n?o podiam entrar na floresta, e tinham de estar em casa como dous ratinhos no seu buraco. O pai era obrigado a andar por f?ra e levava comsigo Fiel, bonito perdigueiro, que era o compaheiro unico dos pequenos. Tambem, se o pai estava em casa era raro que dissesse alguma cousa; assentado ? lareira, dormia ou limpava armas de ca?a. Em outro tempo contava a av? muitas historias bonitas, mas ent?o j? n?o contava nada, e se fallava era a meia voz e s? comsigo. Joanninha assentava-se ao p? da av? com uma roca pequena e fiava; mas era um trabalho aborrecido por n?o haver quem conversasse. Thom? talhava em bocados de pau figuras de c?es e de lebres; mas sahiam-lhe sempre mal feitas, e tantas vezes dava golpes nos dedos que perdia a paciencia e deixava a obra. O que mais o divertia era fazer casinhas com pedras e bocados de pau que ajuntava; mas as casas cahiam com grande barulho, e a av? dizia-lhe que n?o tinha geito nenhum para aquillo. Ent?o dizia ?s vezes Thom? com mau humor:
--Ora, porque n?o havemos n?s de ser como os filhos dos ricos, como o filho de um fidalgo que uma vez passou na aldeia, ou como os do balio, que podem comer tudo que quizerem, ou como os filhos dos ciganos que andam por onde querem?
Em uma tarde, perto do Natal, tudo estava calado e triste. O azeite no candieiro estava quasi acabado, e o caminho para a aldeia estava t?o cheio de neve que Luiza n?o tinha podido apparecer com as cousas precisas. N?o havia com que fazer arder o candieiro. Por fortuna o luar era claro como o dia; mas os pequenos tinham medo das sombras exquisitas que o luar fazia.
Joanninha chegava-se muito para a av?, e Thom? fez o mesmo e disse ? velha av? em voz alta:
--Av?sinha, conte-nos hoje uma historia, ainda que seja pequenina: ainda ha-de saber alguma.
--N?o sei nenhuma, rapaz, resmungou a velha, mesmo nenhuma. Esqueceram-me todas.
--S? uma, av?sinha; conte do an?o da pedreira.
--Da pedreira, ah, sim, rapaz, espera; deixa v?r se me lembra. Onde est? a grande pedreira, em baixo no barranco era em outro tempo uma rocha forte e a prumo como um muro, d'onde nunca tinha sahido nenhuma pedra, e defronte da rocha havia um peda?o de terreno coberto de vi?osa verdura: por debaixo moravam os an?es; descia-se por degraus ao pequenino castello da rainha dos an?es, e debaixo da terra era uma cidade muito bonita. Na floresta n?o entravam ca?adores nem cortadores de lenha nem montantes, e nos dias de sol subiam todos os an?es e assoalhavam-se no musgo verde, e faziam banquetes e dan?avam com muita alegria. Um dia come?aram os homens de f?ra a levantar casas na planicie, e entraram na floresta e cortaram arvores, e acarretaram grandes pedras para f?ra. Ficou tudo cheio da entulho de redor do bello rochedo que ficava defronte do terreno cheio de verdura, e de redor da cidade dos an?es. Para que os homens n?o podessem cortar mais pedras, foram os an?es de noite todos juntos ? floresta e cortaram pedras muito grandes e levaram-nas de rodo com toda a for?a at? ? entrada da mata. Os homens descontentes foram ? rocha e fizeram saltar as pedras em peda?os, e ellas cahiam com grande estrondo no prado. Assim ficou toda arruinada a bonita cidade dos an?es, e houve muitas lagrimas e sentimento: Os an?es que n?o tinham sido mortos, escavaram um subterraneo f?ra do bosque. L? vivem agora, e se edificaram outra cidade ? cousa que n?o se sabe. Desde ent?o tem rodado para f?ra muitas pedras de noite; mas est?o sempre a cahir outras l? dentro, e todos os annos na noite de S. Thom?, sahem elles para verem se ainda ha muitas pedras no terreno, e a quem de l? tirar n'essa noite tres pedras, n?o negam os an?es cousa nenhuma que lhes seja pedida.
Assim contou a av?. Havia muito tempo que ella n?o tinha fallado tanto, e estava can?ada. Joanninha estava cheia de medo e chegava-se muito para ella, mas Thom?, com as faces ardentes e olhos brilhantes, pensava na historia e bem quizera saber se os an?es ainda appareciam.
Ent?o Fiel ladrou f?ra, e entrou o pai, can?ado, carrancudo e gelado; mesmo ?s escuras procurou alguma coasa que podesse comer; mas a velha esquecia-se d'elle muitas vezes, e elle teve de deitar-se com fome. No inverno dormia a av? na alcova e Joanninha com ella, e o pai com Thom? na salinha proxima. O pai, depois de pegar a dormir, roncava toda a noite, e n?o havia nada n'este mundo que o acordasse, s? se fosse algum tiro dado na mata.
N'essa noite Thom? n?o podia dormir. N?o era a primeira vez que elle ouvia contar a historia dos an?es; mas nunca tinha sabido que estavam t?o perto e que ainda appareciam. Batia-lhe o cora??o com desejos anciosos, pensando que podia com as riquezas dos an?es alegrar aquella miseravel solid?o dos bosques. E faltavam s? dous dias para o S. Thom?!
N?o p?de calar-se que n?o dissesse na manh? seguinte ao ouvido de Joanninha:
--Joanninha, depois de amanh?, ? o dia de S. Thom?; vamos tirar pedras do territorio dos an?es.
Mas Joanninha olhou para elle com olhos espantados, e disse:
--Ora essa! Tu n?o v?s que ? s? uma historia do que j? passou ha mais de cem annos? E demais, eu morreria de medo se sahisse de noite.
Thom? ficou entendendo que nada faria com aquella maricas, apesar de Joanninha ser mais velha, e calou-se com o seu projecto.
Na noite de S. Thom? foi o pai cedo para casa, e antes de ter a av? apagado o candieiro j? elle dormia como uma pedra. Thom? esperou que Joanninha tambem adormecesse; a av? sabia elle que n?o o ouviria ainda que estivesse acordada. N?o tardou muito que tudo fosse silencio: elle n?o se tinha despido, puxou o barrete de pelles para as orelhas e sahiu. Fiel n?o estava acostumado a v?r sahir Thom? sosinho; e ficou muito espantado e resmungou quando Thom? lhe poz a m?o pela cabe?a.
A lua ainda brilhava clara, e no bosque havia um silencio de cemiterio que assustava Thom?; mas tomou animo, e metteu-se com passos ligeiros e firmes ao bem conhecido caminho da grande pedreira. N?o se ouvia o mais leve murmurio quando elle entrou no barranco, e ent?o estremeceu vendo a rocha escavada em que mal entrava um raio da lua. Com passos tremulos foi andando at? ao lugar onde tinha sido o territorio dos an?es, e onde s? havia ent?o uma grande quantidade de pedras grandes e pequenas. Com as m?os a tremer, agarrou nas maiores que p?de levantar, e levou-as para f?ra.
--Quem est? ahi? perguntou uma voz fina, quando elle deitava f?ra a ultima.
No unico lugar que a lua alumiava no barranco estava um homem muito pequeno vestido de verde, que era o que perguntava a Thom?:
--Quem est? ahi?
--Sou o Thom? do guarda-matas, disse elle muito embara?ado, e tirando com todo o respeito o barrete.
--Que queres d'aqui?
--S? queria tirar pedras para que os senhores podessem viver aqui debaixo.
--Pouco podes fazer, disse o an?o com tristeza, mas ? uma boa obra que deve ser recompensada. O que ? que desejas mais?
Thom? j? tinha pensado em muitas cousas, mas n'aquella occasi?o n?o lhe lembrava quasi nada. Lembrou-se de um cavallo em que elle podesse ir ? escola, de uma pipa cheia de azeite para que sempre houvesse que arder no candieiro, e de um sacco cheio de ma?ans e de nozes; mas nada d'isso valia o que elle tinha feito. Por fim disse gaguejando:
--Uma sacca de dinheiro.
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