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Read Ebook: Julio Diniz (Joaquim Guilherme Gomes Coelho) Esboço Biographico by Pimentel Alberto

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Ebook has 97 lines and 10419 words, and 2 pages

parecia encerrar uma prophecia que infelizmente j? se converteu em realidade.

Nem a ida a Lisboa, nem as distrac??es e passeios que os seus amigos lhe proporcionavam, poderam suster o curso progressivo da doen?a, accidentada no mez de setembro d'esse anno por uma dor nevralgica. A 20 d'outubro, dia em que se celebrava intimamente a festa natalicia do snr. J. J. Pinto Coelho, assistiu, como tinha de costume, ao jantar de familia, se bem que visivelmente incommodado. Os dias que se seguiram foram para Gomes Coelho de verdadeira reclus?o. No mez de novembro augmentaram os padecimentos, e a pneumo-hemorrhagia foi mais violenta do que precedentemente havia sido.

Em janeiro do anno seguinte resolveu-se a ir passar uma temporada a Lisboa, hospedando-se n'uma casa da rua Direita da Gra?a, ? Cruz dos quatro caminhos, onde se conservou cerca d'um mez.

A maior parte d'estas casas --dizia elle--era habitada por uma popula??o fluctuante de valetudinarios ou convalescentes que procuravam vigorar for?as, respirando a pleno seio o ar purificado e livre das montanhas e dos bosques.

Pela manh?, quando as n?voas principiavam a dissipar-se e, por entre a folhagem das arvores, o sol penetrava mais fomentador de vida e ia evaporar o orvalho que ainda rociava as hervas dos caminhos, viam-se subir a collina, a passos vagarosos e com frequentes pausas, esses pallidos doentes, que pareciam renascer s? ao receberem aquellas auras embalsamadas pelos perfumes das flores, e suavisadas pelos primeiros calores da manh?.

Era o velho quebrantado e tremulo, parando a meio caminho da ladeira que subia, a fitar o c?o, como se d'antem?o procurasse decifrar o problema que em breve teria de resolver; o mancebo, inquieto e pensativo, de aspira??es ardentes e subidas e em t?o alto gr?o que no empenho de as realisar lhe falleceram as for?as e no forte da lucta sentia-se succumbir; a virgem, meiga e melancolica, como uma das mais ideaes crea??es ossianicas, errante por entre as arvores seculares ou pendida ? borda das correntes, escondendo uma lagrima ou simulando um sorriso, manifesta??es diversas na apparencia e ambas denunciadoras tantas vezes d'uma grande tristeza interior; a m?e joven e doente, em torno ? qual brincava um bando de crean?as alegres e cheias de vida, ignorando, os innocentes, que todo o seu destino, que as suas alegrias ou as suas dores no futuro dependiam agora d'aquellas arvores, onde se balanceavam risonhas, d'aquellas vira??es que lhes a?outavam os cabellos soltos e annelados.

Assim pois o luctar da vida e da morte era o que por toda a parte se via. Contrastes de esperan?a e de desalento, antitheses de sorrisos e de lagrimas formavam a fei??o mais caracteristica do quadro.>>

Esta devia de ser a realidade do seu poetico ideal, ideal dizemos, se bem que as almas privilegiadas pelo talento possuam a excepcional intui??o de lerem atravez do futuro os caracteres do seu mesmo destino...

Em maio d'esse anno, regressou Gomes Coelho da ilha da Madeira, posto que bastante enfermo, relativamente muito melhor. Conservou-se no Porto, tomando parte nos trabalhos escholares, e nos principios d'outubro partiu para Lisboa, sahindo para a ilha no dia 15 do mesmo mez. Regressou em maio do anno seguinte e nos primeiros dias d'outubro tornou a embarcar para a Madeira, voltando ? patria em maio de 1871.

Ent?o devia j? ter-se feito noite n'aquelle grande espirito, e a ideia da morte havia de interpor-se, cada vez mais intensa e melancolica, entre o presente e o futuro.

Declinava o sol; o occaso estava proximo.

Que dolorosos pungimentos de saudade lhe n?o havia de dar a cada momento a memoria,--aquella vivaz e fiel memoria dos phtysicos,--ao recordar-se dos tranquillos dias da sua mocidade, das suas excurs?es a Aveiro, a Felgueiras, a Leiria, sempre rodeado d'amigos, sempre querido d'elles, agora que, por uma barreira invencivel, se via, e para sempre, distanciado d'um amigo que sinceramente o estimava,--o publico!

Em Gomes Coelho t?o identificados andavam o homem e o litterato, que n?o havia surprehendel-os na menor contradic??o. O mesmo ? l?r os seus versos, os seus romances sobretudo, e descortinar para logo a limpidez, a tranquillidade, a nobreza d'aquella alma. Os quadros que devemos ? sua penna s?o placidos, azues e luminosos, e estes serenos esplendores que lhes davam anima??o partiam directamente, sem j?mais atravessarem um meio viciado, do foco intimo e puro,--do seu grande e nobilissimo espirito.

Julio Cesar Machado, escrevendo ha pouco tempo ainda do popularissimo doutor Thomaz de Carvalho, perguntava singela e intencionalmente:

Conhecem o quarto? Gabinete de estudo, e museu de amador, tanto mais interessante que reflecte por alguma maneira o caracter, habitos, genero de predilec??es de quem o constituiu com o gosto e cuidado inseparaveis de sua indole. Ha alli muito da sua individualidade; ? tudo d'elle e por elle alli; uma especie de transfigura??o de sua pessoa; como que o sobretudo d'aquelle espirito multiplice e fecundo. Ao mesmo tempo, quarto modesto e reservado--como convem para o estudo, n?o tendo sequer a indiscri??o de olhar para as ruas.

Devia de ser trai?oeiro aquelle quarto para os que n?o soubessem que o mesmo homem absorvia as duas individualidades...

Cora??o d'ouro, affectuoso, impressionavel, caracter honesto, justo, incapaz d'uma ligeira offensa, a si mesmo se daguerreotypa involuntariamente nos seus romances, nos seus personagens admiraveis de candura e pureza, porque em todos elles havia alguma coisa da sua alma. <>

Outros escriptores ter?o colorido mais vivo, mais pittoresco at?; poucos lograr?o vencel-o na observa??o escrupulosa, na moralidade dos quadros, na do?ura dos assumptos, e finalmente no desenvolvimento dramatico da ac??o, circumstancia importantissima, porque o romance ? simultaneamente narra??o e drama, dialogo e descrip??o, como observou Pelletan.

Realista, porque elle o era em litteratura, jamais se occupou em reproduzir os quadros negros da sociedade, as paix?es revoltas e baixas, as enormidades do crime, os typos ridiculos ou hediondos.

Suppondo mesmo que o n?o sabiamos, facilmente conheceriamos que o espirito de Gomes Coelho f?ra educado na leitura do romance inglez. Os seus personagens, pelo menos em alguns dos seus livros, se n?o s?o t?o humildes, se n?o professam officios mechanicos, como os de George Elliot, s?o typos escolhidos na galeria rustica do campo.

De resto n?o ha ahi litteratura mais doce, mais consoladora, mais orvalhada de lagrimas refrigerantes para os que na lucta ficam vencidos, e mais cheia de serenas alegrias para os que, vencedores, recolhem os louros do triumpho.

Notaremos de passagem uma circumstancia muito para significar at? onde ia a magnanimidade de Gomes Coelho.

Pouco ? o que do romancista temos dito, mas n'esta rapida aprecia??o, assim exigida pela natureza d'um esbo?o biographico, concentramos as nossas opini?es, que por menos contrahidas, n?o se alterariam n'um estudo de mais latas dimens?es.

Em junho de 1871 annuiu Gomes Coelho a retirar-se com a familia de seu primo, o snr. Jos? Joaquim Pinto Coelho, para a rua do Costa Cabral, na enganadora esperan?a, que alimentavam os seus, de que a proximidade benefica dos campos seria obstaculo ? marcha, cada vez mais accelerada da molestia.

Assim foi declinando a vida de Gomes Coelho, at? que ? uma hora da madrugada do dia 12 de setembro, tendo passado a noite com seu primo, e o seu intimo amigo o snr. Custodio Jos? de Passos, sem denunciar t?o proximo desenlace, exhalou o derradeiro alento, depois d'uma longa agonia de tres quartos d'hora.

Aproximam-se as tristezas do outomno e ?s tristezas da natureza ajuntam-se as melancholias do cora??o.

O paiz e as boas lettras acabam de perder um dos seus mais estimaveis talentos. Joaquim Guilherme Gomes Coelho expirou esta madrugada ? uma hora.

Gomes Coelho n?o era s?mente romancista: era tambem um homem de sciencia. Tres vezes concorreu ?s cadeiras da Eschola-Medica e de tres vezes o seu talento robusto deixou um rasto fulgurante. Todos o reconheciam como uma das primeiras capacidades d'aquelle estabelecimento scientifico.

Como Soares de Passos, de quem foi amigo, Gomes Coelho deixa uma lacuna difficil de preencher na nossa litteratura. A sua carreira litteraria estava por completar ainda. A sua imagina??o estava ainda fresca como um dia de primavera. Que de flores que se n?o perderam; que de fructos esmagados sob a lousa d'um tumulo!

Gomes Coelho deixou retratado o seu espirito nas paginas suaves, doces, innocentes dos seus romances. Era uma alma singela como as scenas que t?o delicadamente nos descrevia. Observador profundo, enamorava-se do que havia de bello na alma popular e deixava no escuro as miserias que ennegrecem a vida. Comprehendia que a litteratura tinha uma sacrosanta miss?o e nunca manchou a sua penna nas torpezas da comedia humana.

Gomes Coelho ha muito que se debatia com as agonias da doen?a. O seu espirito de gigante debalde luctava com a debilidade do corpo. Os seus profundos estudos, a sua assiduidade no trabalho deviam-lhe minar for?osamente a existencia. Debalde procurou na ilha da Madeira allivio aos seus padecimentos. Os amigos que o viram partir da ultima vez ficaram nutrindo a esperan?a de que os ares purificados da perola do oceano lhe dariam novo alento. A esperan?a foi illudida.

Entre os membros d'essa familia conta-se um confrade nosso que a estas horas verga ao p?so d'uma dor excruciante. Enviamos ao confrade amigo e aos seus o testimunho da nossa profunda magua.

Baixou hontem ? terra o cadaver do chorado e talentoso escriptor, cuja morte prematura noticiamos na nossa folha de ter?a-feira.

Os responsos de sepultura foram rezados na velha Igreja de Cedofeita. Era grande o numero das pessoas que assistiram a este acto funebre: entre ellas o corpo docente da Eschola-Medica, de que o finado fazia parte, e alguns professores de outras corpora??es scientificas e litterarias.

Pegaram ?s azas do caix?o seis dos antigos condiscipulos do snr. Gomes Coelho, a quem elle tinha na conta de seus mais caros amigos. Foram os snrs.: Ernesto Pinto d'Almeida, Augusto Luso da Silva, Eduardo Augusto Falc?o, Jos? Augusto da Silva, Miguel Teixeira Pinto e Jos? de Macedo Araujo Junior.

Entrou no seio da natureza o corpo d'aquelle que t?o bem a tinha sabido representar nos seus quadros de poesia campestre. O seu espirito, por?m, ficou encarnado nos seus livros e viver? entre n?s emquanto se souber prezar a belleza das grandes obras d'arte.

O nome de Gomes Coelho n?o ? d'estes nomes ephemeros que se gravam em lettras douradas no marmore d'um tumulo luxuoso.

Era um dia triste, pesado, chuvoso.

As andorinhas poisaram em bando nas cornijas musgosas da igreja de Cedofeita. Estavam a discutir provavelmente a necessidade de emigrar, a combinar talvez a hora da partida.

Partiram em direc??o ao mar, atravessando os campos.

Pobre scismador, que sentia dentro do craneo a chamma dos predestinados para a gloria e no peito a urna embalsamada d'um cora??o sem macula, com que inexplicavel melancolia, e porque longas horas de dilacerante angustia, n?o veria elle destacarem-se, nos campos visinhos, sobre o c?o pardacento do outomno, os troncos das arvores cada vez mais despidos e solitarios! Era aquelle um sentir-se resvalar para o tumulo, dia a dia, um despedir-se lentamente das suas affei??es, dos seus romances que resumiam horas de enlevo e melancolia, e do seu ultimo livro, especialmente do seu ultimo livro, folha, que, ao voar do recinto da familia para a officina typographica, f?ra talvez rociada pelas lagrimas furtivas d'um presentimento pungente.

Era que tinha de ser a ultima d'uma primavera que, em pleno esplendor de suas galas, via enovelar-se ao longe, avan?ando sempre, a nuvem negra do simoun que levaria ap?s si folhas e flores para abysmar umas e outras nos despenhadeiros do sepulchro.

E a nuvem aproximou-se, e o simoun passou, e tudo o que estava ainda enthesourado nos cofres opulentos da primavera perdeu-se, mas a folha verde dos intimos vergeis tinha j? voado, nas brisas suavissimas da gloria, a enastrar-se n'uma cor?a entretecida por outras, suas irm?s, porque da mesma seiva se nutriram, e que pairava a uma altura superior ?s impetuosas correntes que impellem o homem desde a vida inconsciente do ber?o at? aos abysmos insondaveis da eternidade.

De Gomes Coelho s? morrera o homem; o escriptor ficara.

FIM

N'esta ruim profiss?o das lettras, t?o escassa de rendosos benesses, ? licito orgulhar-se a gente de certos galard?es espontaneos que lhe d?o ? alma um momento de conforto. Por tal raz?o se transcrevem as palavras que nos enviava o snr. D. Antonio da Costa com rela??o ao artigo transcripto:

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