Read Ebook: Poetas do Minho I - João Penha by Pimentel Alberto
Font size:
Background color:
Text color:
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page
Ebook has 179 lines and 11237 words, and 4 pages
......... A Tasca das Cam?llas Para mim, era um sonho, o ceu cheio de estrellas.
Mas quando Antonio Nobre chegou a Coimbra, uma barreira de vinte annos, espessos como vinte seculos, separava da tasca das Cam?llas a pessoa do doutor Jo?o Penha, advogado nos auditorios de Braga. A alma espumante e radiosa das noites da bohemia partira-se como a tapa das ultimas liba??es; partira-se, e partira. No templo reinava o luto silencioso das lendas de antigos castellos abandonados por principes cujo destino ? ainda um mysterio. E Antonio Nobre, relanceando os olhos tristes pela solid?o tenebrosa, teve esta explos?o de desespero truculento:
Tia Cam?llas... s? ficou a camellice.
......... Telle jadis Carthage Vit sur ses murs d?truits Marius malheureux.
D?-me esse onagro de vigor silvestre, E os ?dres fundos, oh Sileno antigo: Ensina-me na dor: s? tu ?s mestre.
Dir-se-ia que a rija cimitarra do vandalismo havia despeda?ado algum marmore de Pradier em que uma Bachante andaluza, cingida nos bra?os de um Satyro inspirado, parecia entoar um dithyrambo amoroso, cortado de evoh?s e de beijos, e de que s? restava, inscripto no s?cco da esculptura mutilada, um sonetilho de Jo?o Penha:
Oh poetas d'agua fria! Dizei-me: a vossa musa. Ser? como a andalusa Que as noites me abrevia?
Olhai-a: que poesia! Na d?rna da Arethusa L? enche agora a infusa De classica ambrosia,
E aos labios de cereja Eleva, airosa e rindo, O copo de cerveja!
Oh quadro novo e lindo! Musas, chorai de inveja, Musas, descei do Pindo!
Ainda rescaldam nos <
--Repita a d?se para um envergonhado, que est? ali f?ra...
Na sombra do limiar, entreaberta a porta, Jo?o Penha esvasiava a segunda <
Antonio Nobre conhecia a tradi??o, a anecdota, o pittoresco da lenda, mas, quando chegou a Coimbra, apenas restava da bohemia de Jo?o Penha, na Tasca das Cam?llas e na Via Latina, a lembran?a de que pass?ra outr'ora por ali uma onda de mocidade alegre, que o tempo seccou.
Tia Cam?llas... s? ficou a camellice.
A tradi??o em Coimbra, um advogado em Braga, eis o que resta de Jo?o Penha bohemio.
Mas ainda hoje os rapazes que passaram pela Universidade vem contar as satyras, os epigrammas que elle deixou gravados na memoria das gera??es.
Todos elles sabem de c?r o famoso caso do incendio, que Jo?o Penha noticiava para Braga, ao irm?o, como tendo sido uma calamidade biblica, um castigo do ceu, que o deix?ra despojado de todos os seus escassos haveres de estudante:
Foi um incendio voraz! Parecia a propria Gomorra!
E os manes do doutor Adri?o Forjaz velam de pudor a face ouvindo repetir, na chala?a de Coimbra, a phrase attribuida aos labios castamente impollutos de uma b?ca impeccavel, onde s? os eufemismos floriam como lirios brancos.
Conheci em Lisboa, de o v?r no parlamento, o irm?o de Jo?o Penha, tambem advogado, e n'esse tempo deputado por Braga.
Contava-se em Coimbra que o poeta, encarecendo as virtudes do irm?o, costumava dizer d'elle:
--O seu unico vicio sou eu.
De improvisos feitos na aula, escriptos sobre o joelho e transmittidos de bancada em bancada, ficou em Coimbra memoria imperecivel, que irradiou at? ? raia do Minho e at? ? raia do Algarve, como uma lenda nacional.
Em p?, diante do Brito, D? li??o Pinto Lamba?a: Parece a voz do Infinito A sair d'uma caba?a!
E aquell'outro apontado ao nariz vermelho de Tamagnini Encarna??o?
Tamagnini Encarna??o Tem na ponta do nariz O colorido feliz De uma rosa do Jap?o.
E ainda aquelle que joga de vocabulo com o nome do condiscipulo Ennes:
Dizem que o Sanches embirra Que lhe v?o pedir dispensa. Forte asneira! --Imagina que lhe pedem A despensa Onde tem a salgadeira...
E vimos uma forma horrenda e bruta Surgir do l?do vil com gesto iroso, Como out'rora, no Cabo Tormentoso, O velho Adamastor de barba hirsuta.
--< < Disse. E ouvimos n'aquella obscuridade O cantico d'um tremulo jumento: --Era o preito da terra ? Immensidade. Sobre os inextinguiveis vestigios d'esta satyra teem caminhado as gera??es subsequentes, cantando o doutor incommensuravelmente filiforme. Antonio Nobre tambem molhou a sua s?pa no cap?llo que encima o zingam?cho do cathedratico zangaralh?o: Eu dera um litro do meu sangue azul, S? por beijar-te, no chapim taful, O pequenino p?, que orchestras rege! A respeito d'esta rabequista, que era uma italiana lindissima, dizia-me ha pouco Jo?o Penha: --O Manoel da Assump??o queria casar com ella e eu dissuadi-o d'esse intento... por ciumes. Pobre Manoel! elle foi o primeiro romantico do seu tempo, como Jo?o Penha foi, na phrase de Gon?alves Crespo, o ultimo estudante de Coimbra. D'este copo de vinho generoso Dai-me que eu tire o alento que desejo, Para que o novo canto, sonoroso, Desfira na guitarra em doce arpejo; E j? que estou dev?ras amoroso, Aproveito apressado um tal ensejo Para erguer ? leitora, que me escuta, Um brinde que me deixe a ta?a enxuta. Para Jo?o Penha, como poeta lyrico, o amor parecia n?o ser mais que uma idealisa??o, uma phantasia de artista. A Ironia andava de bra?o dado com o Amor, no lyrismo de Jo?o Penha, mais como um effeito pittoresco da Arte, suppunha eu, do que como a crua express?o da Verdade. Parecia-me que a sua musa obedeceu ? orienta??o romantica, que se comprazia em polvilhar de gottas de fel, como um effeito decorativo, puramente ornamental, a corolla das fl?res ideiaes do Sentimento. ? verdade que no escrinio das Rimas havia a miniatura de uma mulher, mas eu considerava-a, se me permittem a express?o, um retrato de phantasia: Um rosto encantador, quasi moreno, De uns grandes olhos verdes animado: Negro o cabello, em tran?as ennastrado; Correcto o supercilio, iris sereno; Vermelho o labio, sorridente e ameno; Breve a cintura; o collo, assetinado; Um donaire, das outras invejado; Magras as m?os; o p?, leve e pequeno: Eis a dama por quem chorando anh?lo! Rival das gra?as do cinsel i?nio, Mas fria como a neve: o meu flagello! Eis a minha Nathercia, o cruel demonio Por quem vivo perdido, mas t?o bello Que nem lhe resistira Santo Antonio! Este soneto affigurava-se-me como o primeiro elo de uma concep??o artistica de poeta, de um plano litterario preconcebido, que visava a produzir effeitos pela antithese do Amor e da Ironia, pelo contraste da veia alegre do bohemio com a inspira??o sentimental do lyrico. Assim n?o tardava muito que a musa dicaz do epigramma deixasse cair sobre o retrato da primeira pagina o peso de um paio roli?o de Lamego, que se esborrachava em r?bidas gorduras sobre a miniatura delicada: Mal pode phantasiar-te a mente acc?sa T?o gentil como quando, venturoso, Te vi a vez primeira, ?brio de goso, Estatico de pasmo e de surpreza. Que prodigio de esplendida bellesa! Que labios, que sorrir, que olhar piedoso! Que opulento cabello... um mar undoso Onde escond?ras a gentil nudeza!
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page