bell notificationshomepageloginedit profileclubsdmBox

Read Ebook: Côrte na aldeia e noites de inverno (Volume I) by Lobo Francisco Rodrigues

More about this book

Font size:

Background color:

Text color:

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

Ebook has 156 lines and 47503 words, and 4 pages

CARTA DE UM AMIGO

"Espero com grande alvoro?o que venhais para esta cidade, para que com vossa companhia viva n'ella contente, e v?s desenganado de quam pouco em si tem que me possa alegrar, sen?o depois que vos possuir."

A quem o amigo brevemente respondeu em outra que dizia:

RESPOSTA

"Assim como o desterro em o melhor lugar ? penoso, nenhum pode haver t?o esteril, que, tendo a tal amigo, n?o seja desejado. V?s sois a quem busco, ? for?a que me contente a parte onde vos achar; que as pedras n?o fazem a cidade, sen?o os homens: nem as commodidades da vida a sustentam, sen?o os amigos."

As mercantis posto que s?o segundo os tratos, e negocios, e acodem mais a elles, que ao bom termo dos comprimentos; n?o deixa de haver muitas t?o bem escriptas, que podem ter logar entre as melhores; e ainda que n?o ? d'ellas uma, que eu vi h? poucos dias, a darei por ser t?o breve, e era esta:

CARTA MERCANTIL

"Ha nova de Cossarios no mar; e por esse respeito grande risco nas fazendas d'essa terra: por?m a valia d'ellas ser? muito avantajada, se chegarem a este porto a salvamento; se a cubi?a do interesse vence o perigo das encommendas, ponde-as em ventura; que eu a terei para mim por muito boa o vosso bom successo."

E assim n?o me desagradou outra, que dizia d'esta maneira:

CARTA MERCANTIL

"Com os tempos contrarios ? navega??o foram as occasi?es ao nosso trato: que, como as mercadorias n?o foram requestadas de extrangeiros, est?o ao presente abatidas: enviae-me menos d'ellas para que, faltando, mais as procurem os mercadores da terra; e n'essa vos n?o descuideis de fazer emprego, mandando-me o de muito boas novas vossas."

"Como quer que os meus servi?os montem ante v?s t?o pouco, e a vontade por minha seja de menos pre?o, etc.

"Como quer que o animo, com que sou vosso, me n?o deixa perder occasi?es, em que vos sirva, etc.

"Tanto que soube que era cousa de vosso gosto deixar esta empreza, etc.

"Tanto que me vi desfavorecido de vossas lembran?as, lancei m?o do meu atrevimento, etc.

"Depois que me apartei de v?s, n?o soube mais de mim, que para sentir saudades vossas, etc.

"Depois que meus males me deram logar para tomar esta penna na m?o, a empreguei em procurar novas vossas, etc.

"Antes que me desculpe de meus descu?dos, etc.

"Antes que vos d? larga conta dos meus successos, etc."

De modo, que s?o como materia prima, em que moldareis tudo o que quizerdes: por?m n?o quero ir adeante, e tomar o tempo ao sr. Leonardo; que o vejo entrar j? por outras cartas missivas.--Antes tomei folego em quanto vos ouvia falar n'essas. E tratando das do segundo genero, que s?o cartas de novas, a que chamam narrativas de cumprimentos, que se dividem em cartas de agradecimento, recommenda??o, desculpa, queixume e outras muitas, cartas de galantaria ou jocosas, como chamam os latinos: Para as narrativas nos podia servir de exemplo aquella em que o imperador Tiberio Cesar dava novas de Italia a seu irm?o Germanico, que dizia:

CARTA DE TIBERIO CEZAR A GERMANICO

"Os templos se guardam; os deuses se servem; o senado est? pacifico: a republica prospera; Roma s?; a Fortuna mansa; o anno fertil; e isto, que ha aqui em Italia, desejo que da mesma maneira gozeis em Asia."

CARTA DE GNEU SYLVIO

"Cesar venceu: Pompeio morreu: Rufo fugiu: Cat?o se matou: acabou a dictadura; e perdeu-se a liberdade."

E chegando a alguma, que com menos aperto fa?a sua rela??o, me n?o pareceu engeitar a que Marcello escreveu ao senado romano, dando-lhe novas da rota de Fulvio, que dizia:

CARTA DE MARCELLO AO SENADO

"Bem sei que a nova, que vos mando, ? de sentimento. Fulvio Proconsul com treze mil homens foi desbaratado e ferido. Por?m n?o vos cause temor este successo; que eu sou o mesmo, que, depois da batalha de Canas, mortifiquei a soberba de Hannibal, vencedor d'ella: contra elle caminho brevemente com o meu exercito para lhe fazer mais breve a alegria d'este triumpho; e em v?s desejo muito o mesmo animo que levo."

--Uma carta me escreveu os dias atraz um amigo, de novas de Lisboa, que certo, pela brevidade, me pareceu digna d'esta lembran?a, e dizia:

CARTA MODERNA

"Esta cidade est? abastada, mas descontente: o mar cheio de corsarios: os portos de receios: o pa?o de requerentes; e elles de queixumes: para os validos tudo ? pouco: aos desamparados n?o cabe nada: do remedio de tantos males n?o ha boas novas; e as minhas s?o que entre todos elles me falta a vossa companhia."

--Essa se p?de ajuntar por exemplo ?s antigas que relatei: e por n?o me empregar em outras, que seria demasiado trabalho a todos ouvil-as, e a mim recital-as, pe?o-as de recommenda??o de alguma pessoa ou de algum negocio, nas quaes tem mais logar a disposi??o e offerecimento dos rhetoricos, encarecendo os merecimentos da pessoa ou a importancia da causa que encommendaes, facilitando-a na condi??o e vontade a quem a pedia; concluindo com a peti??o e offerecimento de vossa parte: e todas estas, e ainda um exordio de senten?a, que hei por escusado, se v?em em uma carta que ha pouco que li, que um rei de Portugal antigo, escreveu ao de Fran?a, encommendando-lhe um fidalgo que ia estudar a Pariz; e dizia tirada de latim, em que estava em um livro extrangeiro:

CARTA DE EL-REI DE PORTUGAL AO DE FRAN?A

"Entre as virtudes e excellencias dos principes, me pareceu muito digna de louvor a de terem particular cuidado e lembran?a dos vassallos benemeritos em seu servi?o, para com favores e merc?s os ajudarem: e por esta raz?o me pareceu que devia encommendar a vossa magestade D. Pedro de Almeida, que por occasi?o de seus estudos vae a essa c?rte de Paris, posto que claramente conhe?o que, sem recommenda??o minha, vae ass?s encommendado pela liberalidade e brandura com que vossa magestade honra e recebe os homens t?o illustres como elle ?. Al?m do que, tem elle tantas partes e entendimento, que n?o achar? melhor terceiro, que a si mesmo. Deixo seu pae D. Jo?o de Almeida conde de Abrantes, que com suas singulares virtudes e claros feitos, adquiriu e conservou at? ? morte muito estreita privan?a e amizade com meus antecessores e commigo; de sorte que ponho em duvida se importe mais a seu filho a minha carta, se a fama e lembran?a de seu pae. De qualquer modo o encommendo muito a vossa magestade. E de minhas cousas n?o offere?o de novo nada; pois pela irmandade de meus antepassados e minha, em toda a occasi?o deve vossa magestade usar d'ellas, como se foram communs a ambos."

Outra achei no mesmo logar, de el-rei D. Manuel, mais breve que a passada, que era de seu antecessor, a qual elle escreveu ao mestre de Rhodes, encommendando-lhe um novi?o portuguez, que ia servir a religi?o que ser? para exemplo das menos enfeitadas. O gr?o, mestre era o cardeal Pedro de Buzon, e dizia:

CARTA DE EL-REI D. MANUEL AO GR? MESTRE DE RHODES

As cartas de agradecimento tem o campo mais largo para n'ellas se espalhar a penna, e o entendimento; pois quem mais se obriga e encarece o que recebe, escrever? com melhor termo, n?o sahindo dos da carta missiva: e j? os antigos n?o desconheciam esta galanteria; pois Lybanio respondendo a Demetrio, que o obrigava a que lhe pedisse, escreveu assim:

CARTA DE LYBANIO A DEMETRIO

"N?o daes logar a que eu vos pe?a, porque me mandaes tudo. Ainda bem as arvores n?o d?o seu fructo, quando vossos creados m'o trazem: e do que at? nos agros se sente a falta, eu a n?o tenho. Como me haverei n'isto? que o lavrador, quando o tempo lhe nega a agua, ent?o a pede: por?m, se chove, contenta-se de v?r que favoreceu o c?o suas esperan?as."

O queixume por carta se deve fazer com toda a modera??o que a urbanidade requere: e p?de n'estas servir para exemplo e lembran?a a que Olympias, m?e de Alexandre, respondeu a seu filho, a uma em que elle se assignava por filho de Jupiter, que dizia:

CARTA DE OLYMPIAS A ALEXANDRE

"Muito me alegro com a victoria que alcan?astes da cidade de Tyro; e com todas vossas venturas e fa?anhas: por?m tive por grande affronta minha v?r que vos nomeaes por filho de Jupiter na carta que d'esta nova me escrevestes. Estimarei muito, meu filho, que aquieteis n'isso o pensamento, e me n?o leveis a juizo ante a deusa Juno; que algum grande mal me ha de ordenar, sabendo que por lettra vossa me chamaes manceba de seu marido."

E se me n?o parec?ra um pouco enfeitada uma carta que Angelo Policiano escreveu ao grande Louren?o de Medicis, a pod?ra p?r em exemplo da modera??o de queixume, porque dizia:

CARTA DE ANGELO POLICIANO AO DUQUE DE FLOREN?A

"O poeta ? semelhante ao cysne na brancura e suavidade, em ser affei?oado a correntes de agua e amado de Apollo. Comtudo, dizem que o cysne n?o canta sen?o quando o vento zephiro respira. N?o ? logo muito que eu seja mudo tantos dias, sendo poeta vosso, se v?s, que sois meu zephiro, n'elles me faltaes."

CARTA DE LYBANIO A ARISTONETO

"Onde vos achaes, sei que dizeis sempre mal de mim; eu pelo contrario n?o perco occasi?o de dizer louvores vossos; por?m quem a ambos nos conhecer, a nenhum de n?s ha de dar credito."

Das mais ha tantos e t?o differentes exemplos, que seria aggravo a cada uma das outras trazer aqui algumas bem escriptas. S? direi que uma especie d'ellas ? narrativa, motejando do mesmo, que contam, ou das novas que d?o; que n?o s?o por esse respeito pouco engra?adas. Ha outra das de disbarates, que, parecendo que se desviam nas palavras do proposito que tomam, d?o a entender, como em enygma, o pensamento de quem as escreve; e s?o estas graciosas com subtileza. Outra ha das de murmura??o em materias leves, como satyras menores: e umas e outras tem a galanteria no pintar e descrever as pessoas e as cousas, com apodos graciosos, encarecimentos desuzados, palavras facetas, phrase humilde, accommodada sempre ao sujeito. ? certo que n'isto tiveram m?o particular os portuguezes, que escreveram ao gracioso, que nem os italianos na phrase burlesca, nem os hespanhoes no estylo picaresco os egualaram.

--N?o vos houvera eu de consentir esse salto deixando tantos exemplos em aberto, se n?o tivera pensamento de cobrar a demasia n'outra occasi?o; e assim por isso, como por ser j? passada tanta parte da noite, vos pe?o que fa?aes a vontade ao sr. D. Julio com essas cartas Reaes, de Estado e Governo, que as est? desejando com a vida; pois a sua ? nadar na altura de cousas semelhantes.--Eu vos mere?o a boa opini?o em que me tendes: por?m egualmente me contentam todas as cousas em que fala o sr. Leonardo: e porque sempre as ultimas me ficam parecendo melhor que as primeiras, posso desejar esse terceiro genero de cartas; e se d'elle tornar ao primeiro, far?o o mesmo effeito na minha satisfa??o.--Para responder a esse favor havia mister o tempo que hei de gastar nas cartas que me ficam: e assim ou uma ou outra cousa me havei por perdoada.

N?o deixou o doutor ir os cumprimentos por deante, dizendo que eram em prejuizo de terceiro; e proseguindo Leonardo, disse:

--As cartas do terceiro genero, que, pelas materias importantes, e differen?a das pessoas, s?o mais graves e humildes; posto que se incluem algumas d'ellas ? oratoria, aproveitando-se da elegancia e raz?es para persuadir, consolar, dar louvores ou reprehender; e posto que d'estas est?o cheias as chronicas e annaes de todos os reinos, recitarei algumas que pare?am menos vulgares e mais breves para exemplo, como ? uma que os consulares C. Fabricio e C. Emilio escreveram a el-rei Pyrrho sobre uma considera??o em materia de Estado, que dizia:

CARTA DE FABRICIO EMILIO A EL-REI PYRRHO

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

 

Back to top