Read Ebook: Contos e Phantasias by Carvalho Maria Amalia Vaz De
Font size:
Background color:
Text color:
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page
Ebook has 1807 lines and 55224 words, and 37 pages
Era uma creatura t?o debil como elle, pallida como uma defunta, inerme, estupida, sem vontade.
As lobas defendem os seus filhos, a m?e de Thadeu n?o o sabia defender!
Entregava-o ?s coleras descompostas do pae; aos desprezos gelidos da tia; aos caprichos monstruosamente comicos do marquez; ?s apupadas brutaes das aias e dos lacaios; aos risos das visitas; ao pasmo desprezador das outras crean?as, que iam ?quella casa opulenta e ruidosa acompanhadas por seus paes, vestidas de velludo, com plumas nos seus lindos chap?us, o ar grave de meninos bem creados, e que n?o tinham licen?a de brincar com aquelle pequeno histri?o, feio, ridiculo, doente, com gesto de epileptico, com fatos de palha?o e com solu?os de martyr.
Um dia, por?m, fez-se na vida atormentada e tempestuosa do pequeno Thadeu uma claridade de luar, uma claridade opalisada e doce.
Houve treguas nos seus varios martyrios, e sua m?e, n'uma bella manh? de primavera em que os passaros cantavam ao desafio nas grandes arvores do jardim, levou-o pela m?o, p? ante p?, a um quarto forrado de setim c?r de rosa, um quarto digno de servir de habita??o ? fada mais linda que uma phantasia de poeta oriental houvesse imaginado.
N'aquelle quarto havia um ninho todo branco feito de rendas, de fitas de setim, de pennugem de passaros, e n'esse ninho dormia uma creancinha que parecia uma rosa.
Oh! como Thadeu adorava aquella crean?a! Como na sua vida houve de repente um ficto, uma esperan?a, uma luz!
--Thadeu, brinca com a prima a v?r se ella se cala.
E elle fizera calar a rabujenta pequerrucha.
Ao principio elle fazia-lhe car?tas e momices, como as que usava fazer para divertir seu tio; depois, sem bem perceber porque, adoptou outro systema inteiramente opposto.
Thadeu era tudo para ella: queria-o perto da grande tina em que tomava o seu banho de manh?; queria-o junto da pequena mesa de nacar onde a ama lhe dava as sopinhas; queria-o no ber?o ao adormecer; queria-o no jardim, ? sombra das arvores, sobre a ar?a finissima, onde se rolava, vestida de rendas brancas, a rir como uma perdida.
Chamaram-lhe Margarida.
Margarida quer dizer perola, e Thadeu, que vira muitas vezes sua tia vestida de baile, achava um nome muito bem posto ?quella crean?a branca, transparente, loura, idealmente graciosa.
Oh! Thadeu ainda andava muita vez vestido de marujo, de granadeiro, de tyrolez e de alferes, ainda o introduziam no cofre da lenha, ainda o faziam fumar um charuto depois de jantar, cheio de ancias, de nauseas, de gritos abafados de angustia!... Mas que importava!
Margarida com a idade ia-se fazendo despotica.
Pudera!
Ou ella n?o fosse mulher, e estremecida pelo seu humilde escravo!
Mas era assim mesmo que elle a queria.
Quando as m?osinhas polpudas e brancas de Margarida lhe batiam, Thadeu sentia-se feliz como um rei.
Quando ella o obrigava a agachar-se no ch?o para lhe servir de jumento, o rapazinho tinha tenta??es de rinchar de prazer, fazendo o passo bem ao vivo.
Porque no fim de contas, apezar de todas as suas adoraveis crueldades, Margarida gostava d'elle.
A presen?a de Thadeu illuminava de risos o seu rosto oval coroado de cabellos louros annellados, o seu rosto a um tempo angelico e gaiato!
Margarida n?o o achava feio, nem tolo, nem ridiculo, nem doente.
N?o desprezava a fraqueza dos seus bra?os, nem a pobreza absoluta da sua imagina??o.
Pelo contrario! Admirava o!
Sim; ella dera-lhe essa sensa??o poderosa e extraordinaria, a sensa??o dos que se v?em admirados com ingenua confian?a.
Margarida pedia-lhe cousas enormes, com uma serenidade ineffavel de crente!
Pedira-lhe um ninho de melros, e o que ? mais! conseguira que elle t?o medroso, t?o debil, t?o assustado, trepasse pelos bra?os nodosos de uma grande arvore e lh'o fosse buscar l? cima.
Que triumpho este d'ella, ao ver satisfeito o seu capricho! mas que triumpho maior ainda o d'elle ao comprehender, que alcan?ara essa cousa prodigiosa, que nem nos sonhos mais arrojados das suas noites de febre elle ousara at? ali conceber!
Um dia Margarida, em frente d'aquelle rasgo assombroso de valentia que collocara Thadeu ao lado dos maiores heroes, puzera se grave, meditativa, e apontando com serena magestade para a lua que se reflectia n'um tanque do jardim, pedira a lua ao seu amigo Thadeu!
Est? claro que elle lh'a n?o p?de dar, mas gostou d'aquillo!
Percebeu que o julgavam capaz de cousas grandes, de levar a cabo emprezas impossiveis, e esta id?a que alguem tinha da sua for?a, f?-lo crescer aos seus proprios olhos.
Margarida era ainda muito pequenina para entreter os paes.
Elle precisava das excita??es da politica, das luctas do parlamento, dos sorrisos falsos ou verdadeiros, caros ou baratos das formosas mulheres, do jogo, da ambi??o, do amor, da violencia corrosiva de todas as pequenas e grandes paix?es!
Ella precisava do luxo, das joias que scintillam, das sedas que se quebram em ondula??es brilhantes, do c?ro das adula??es mentidas, de todas as ephemeras alegrias que s? o mundo lhe podia dar.
Para ambos Margarida seria um remorso, se a n?o vissem t?o nedia, t?o roli?a, t?o alegre, com chispas de travessura maliciosa no olhar, sempre acompanhada do seu pequeno amigo, submisso e fiel como um c?o.
Deixaram-os, pois, crescer e viver juntos sob o olhar das aias, sempre um pouco hostil para Thadeu e por isso tanto mais insuspeito.
Foi o verdadeiro paraiso que este conheceu na terra, foi a sua idade de ouro.
Ha entes que nunca nem por um instante s? conheceram a completa ventura.
S?o de todos os mais desgra?ados.
Thadeu mais tarde podia ao menos recordar-se!
E elle sabia apreciar t?o bem aquellas alegrias que em manh? aben?oada tinham cahido sobre a sua pobre cabe?a!...
Um dia Margarida travessa e caprichosa como era, desattendendo todas as advertencias de Thadeu, deixara-se cahir dentro do tanque do jardim.
O pequeno n?o sabia nadar.
Que importa!
Sem premedita??o, sem raciocinio, obedecendo a um instincto de dedica??o inteiramente canina, deitou-se n'agua atr?s d'ella.
As criadas, acudindo, tiraram do tanque as duas crean?as abra?adas.
Imagine-se o que iria em casa!
Thadeu, castigado severamente, n?o quiz condemnar a sua amiguinha, para se salvar a si.
Foi ella que, soberba, graciosa, com a sua magestade de pequena rainha, disse aos paes:
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page