Read Ebook: A triste canção do sul (subsidios para a historia do fado) by Pimentel Alberto
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Ebook has 1032 lines and 66852 words, and 21 pages
E n'isso estamos.
A nossa lingua ? triste, exprime melhor a dolencia, o soffrimento moral, do que os pensamentos alegres e vivos.
Falta-lhe o colorido e o gorgeio de outros idiomas neo-latinos: do francez, que ? uma lingua de passaros; do italiano, que ? uma lingua de musicos. Falta-lhe o vigor varonil do hespanhol, lingua ali?s menos harmoniosa do que as outras duas, mas que tem a bravura como compensa??o.
Orgulhamo-nos de possuir a palavra <
Escreveram alguns estrangeiros que somos um povo de namorados.
Este conceito s?a como diagnostico de uma psychose nacional; exprime a nossa sensibilidade doentia excessivamente vibratil. Mas o amor dos portuguezes ? sempre uma tortura, nos poetas e nos outros.
D'ahi vem que toda a nossa poesia lyrica ? solu?ante e dolorida, desde Bernardim Ribeiro e Cam?es at? Soares de Passos e Antonio Nobre; facto que tambem se reconhece nos poetas bohemios como Bocage, que perde o seu tom alegre e esturdio logo que ro?a pelo lyrismo subjectivo.
O povo pertence ? mesma ra?a dos poetas, vive e respira no mesmo meio geographico e social e, ? parte a educa??o litteraria, soffre como elles.
Portanto tambem canta como elles, ferindo a nota da tristeza, queixando-se do seu destino.
? ainda mais desgra?ado, e por isso ? mais triste.
? certo que no Alemtejo o rythmo das can??es populares ? lento e arrastado, no que pode admittir-se at? certo ponto o effeito de uma occupa??o arabe mais longa do que nas provincias do norte.
Em todo o paiz ha vestigios <
Mas nem ahi mesmo tem entrado na vida dos campos.
N?o padece duvida que n'esse seculo a guitarra serviu entre n?s para executar <
Instrumento suave e relativamente perfeito, a guitarra adapta-se com facilidade aos requebros e ? ternura das can??es galantes e sentidas.
<
Mas fora d'este caso, quando n?o ha cantor, o guitarrista <
Referindo-se em geral ?s nossas can??es, diz Theophilo Braga: <>
Theophilo Braga quiz achar uma explica??o do facto apontado pelo professor Roeder, e sustentou que acontecia em Portugal o que se d? entre todos aquelles povos, cuja civilisa??o assenta no municipalismo: uma efflorescencia de lyrismo pessoal, emotivo, que trasborda da alma para o verso.
Pela nossa parte n?o remontaremos t?o longe, nem t?o alto.
O municipalismo trouxe, ? certo, uma vida tranquilla, um bem-estar social ?s povoa??es que o acceitaram como regimen administrativo. A organisa??o municipal no nosso paiz teve o caracter de uma intima aggremia??o familial, em que os dirigentes defendiam zelosamente os interesses da communidade, n?o vacillando, quando era preciso, em bater o p? deante da auctoridade real, amea?ando-a.
Os governados, confiando na vigilancia dos governantes, n?o tinham que pensar na autonomia e defeza do municipio: podiam entregar-se a si mesmos, dar largas aos seus pensamentos de goso pessoal, expans?o ?s suas emo??es e ideaes mais intimos.
Era, n?o ha duvida, uma condi??o favoravel ao desenvolvimento do lyrismo emotivo.
Mas o municipalismo est? hoje decadente em Portugal pela absorp??o tutelar dos governos e pela indifferen?a do povo. As franquias municipaes teem sido profundamente cerceadas. E comtudo n?o corresponde a esse facto uma sensivel depress?o do instincto poetico do nosso povo, cuja faculdade de improviso se transmitte de gera??o em gera??o.
Esta faculdade p?de ter explica??o na exagerada sensibilidade dos portuguezes, no seu immenso sentimentalismo, que encontra um meio propicio ? inspira??o nas circumstancias precarias e por vezes dolorosas do paiz.
Quem canta seus males espanta, Quem chora seus males augmenta,
diz o nosso povo como um axioma de therapeutica pr?tica para curar as doen?as da alma.
Todo o portuguez ? poeta. S?o numerosos os improvisadores em Portugal, at? nas classes menos cultas, e especialmente entre ellas.
A lingua parece auxiliar esta predisposi??o hereditaria, tradicional, n?o s? por ser triste e convidar ? cadencia dolente, mas tambem por se adaptar facilmente ? metrifica??o, especialmente ? redondilha, que se encontra feita e perfeita em todos os prosadores.
Castilho deu-se, com uma paciencia de c?go, ao trabalho de <
Os musicos em Portugal n?o s?o t?o abundantes como os poetas, o que mostra que se repete uma banalidade, com resaibos mythologicos, quando se diz que a musica ? irm? da poesia.
Mas os bons compositores de musica, tanto nas classes illustradas como nas populares, n?o avultam pelo numero.
NOTAS DE RODAP?:
O sr. visconde de Castilho quando, ao descrever uma noite de S. Jo?o na quinta da Boa Vista em Carnide, p?e Vieira Luzitano, que nasceu em 1699, a arranhar na banza, como outros rapazes, <
Pag. 321.
No mesmo periodico, n.? 1.
Fadistas
Eu hei de morrer cantando Pois que chorando nasci.>>
N'elles apparece a par da boneja o rufi?o, que a explora; o rasc?o bebado e desordeiro, ocioso e libertino, trovista e tangedor de taberna; o vaganau, etc.
Apoiado na chronologia, cr?mos, como j? expos?mos, que n?o foram as can??es que deram o nome aos fadistas; mas que, pelo contrario, d'elles o receberam as can??es.
E n'esta accep??o generica parece tel-a j? empregado o padre Rabec?o em 1849, porque o seu fadista da taberna da Madrag?a bebe e n?o canta.
A evidencia do typo--fadista,--de que Lisboa ? alf?bre copioso, tem-se imposto, repetimos, ? observa??o dos bellos-espiritos da litteratura moderna, alguns dos quaes, e dos mais brilhantes, o retrataram com uma fidelidade flagrante, como vamos v?r.
? claro que o typo humano n?o apresenta o mesmo aspecto em todas as ra?as e na??es. O clima e a civilisa??o modificam-n'o, alteram-n'o. Mas ha um fundo cosmopolita, de equivalencia social, que supprime as distancias e as fronteiras.
Todos elles vivem ? custa de mulheres perdidas, cantando e bebendo nas tabernas e nos bordeis, como os fadistas portuguezes.
Em toda a parte a sociedade tem a sua b?rra immunda, e uma palavra, ou mais de uma palavra, para definil-a.
Precisamos, pois, investigar qual seria o pensamento de Ramalho Ortig?o, que n?o desconhece todos estes factos, ao escrever aquella phrase, em que parece conter-se uma affirma??o gratuita por demasiadamente extensiva.
Quereria, provavelmente, dizer que, apesar do povo ser em toda a parte fatalista, em nenhuma outra lingua ha uma palavra que lance unicamente ? fatalidade do destino a responsabilidade dos actos praticados pela ultima classe social.
Depois fixa o perfil do fadista, a seguros tra?os, dizendo:
Em seguida pormenorisa o traje tradicional do fadista: <>
Uma exuberante tatuagem ? um dos caracteristicos do corpo do fadista; ?s vezes, n?o s? exuberante, mas tambem muito complicada de figura??es caprichosas, algumas das quaes, como o signosam?o, cuja interpreta??o ethnographica est? por fazer, livram, segundo a supersti??o tradicional, de maus olhados e de espiritos ruins.
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