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Words: 2063 in 1 pages

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FIALHO D'ALMEIDA

AVES MIGRADORAS

PORTO--Imprensa Portuguesa Rua Formosa, 116

AVES MIGRADORAS

--Mas tu ?s minha amiga, balbuciava a creatura querendo tomar-lhe as m?os n'uma supplica desolada. Devias ter d? d'esta fatalidade que me leva ao encontro de Ruy. Oh, tu n?o sabes! A id?a d'elle tira-me o somno, embebeda-me, convulsiona-me, vai commigo a toda a parte. Tu ao menos tiveste familia, irm?os, alguem. A mim nunca ninguem me quiz. Os garotos puxavam-me os cabellos, meu pai batia-me em estando embriagado. Aos dez annos puzeram-me f?ra, que fosse trabalhar. E andei descal?a atraz dos porcos, ia aos sabbados pedir esmolas ?s portas dos ricos. Um ver?o agarram-me a furtar uvas n'uma vinha: o vinheiro era um bruto, jogou-me um tiro; e cheia de sangue, quasi morta, uns cavadores que passavam, foram levar-me a casa da minha madrasta. Mas ? embocada da aldeia, como eu ia estendida n'uma padiola de ramos, a senhora marqueza viu-me passar da sua janella, e por caridade, recolheu-me. Alli se f?ra creando, a fazer companhia ao menino. Ruy n'esse tempo era um despota, obrigava-a a saltar muros, a pendurar-se de cordas, a fazer de cavallo. E batia-lhe. Em compensa??o Luiza adorava-o com um amor de cadella agradecida. Do fundo da sua humildade, nascia-lhe um deslumbramento inexplicavel, uma curiosidade, uma cegueira de Ruy. E nervosa, franzininha, como a figura d'uma borboleta na melancholia pallida d'um sonho, adquirira j? precocidades: e os seus grandes olhos remordiam na belleza do pequenito, substractos de muitissimas aspira??es. Na quinta, os trabalhadores ?s vezes perguntavam-lhe:

--Queres ser amiga al?m do menino?

Ella abria os seus olhos vorazes, dizendo com a cabe?a que sim. Entrementes o pequeno ia crescendo. Era alto, delgado, divinamente perfeito. Tinha j? essa attitude desinteressada d'enthusiasmos, indifferente aos impulsos fortes, desdenhosa, petulante, das creaturas nascidas em meios altos, e destinadas ao predominio. As suas m?os davam cobi?a, brancas de cera, e com detalhes mimosos d'obra prima. Oh, mas a bocca, inexplicavel, trazia embrionada na esculptura dos labios, todas as flora??es mysteriosas d'uma ascendencia patricia--bocca de chefe pela austeridade, de diplomata pela ironia, e de mulher pela do?ura com que a descerrava, em sorrisos cicatrizadores das esgar?aduras que a sua altivez antes fizera. Quando elle veio do collegio a primeira vez, empallidecera: mas a express?o dos seus olhos era uma coisa indescriptivel d'encanto, de melancholia e suavidade.

Essa ternura, Luiza n?o a fazia nascer exclusivamente da gratid?o que nutria pela castell?: vinha antes da emo??o que Ruy lhe dava, da febre que lhe produzia a lembran?a da sua belleza fruste e singular. Todas as dedica??es se fundiam n'ella, e assim todas as especies de desejos inquietantes. Vinda d'uma mancebia d'aldeia, onde rolavam a toda a hora palavras bebedas e ac??es quasi medonhas, Luiza ach?ra entre os mo?os da quinta, nas conversas surdas da cozinha e da arribana, ? hora da ceia, a continua??o do que vira e ouvira em casa da madrasta. F?ra preciso um cuidado assiduo, nos primeiros tempos, para refazer-lhe o vocabulario, e transviar para intuitos mais limpidos, a tendencia de vicio que ella trazia no sangue, em purulentos coagulos. Se a educa??o e o mimo em que f?ra subindo, ? propor??o que se insinuava nas sympathias do palacio, lhe haviam feito a lingua casta, e a express?o virginea, j? por fim, no fundo, o terrivel sangue conspirava n'ella, co'as herdan?as fataes da vida airada, phosphorejando ardores que a nubilidade ?s vezes desencadeava em verdadeiras procellas. Inda crean?a, o seu amor pelo Ruy j? n?o podia dizer-se immaculado. N?o era esse idyllio de bambinos colligados na mesma adora??o por uma boneca, nem a celeste comedia, inolvidavel, de duas cabecinhas attentas para o mesmo malmequer que se esfolha ? beira d'um campo de trigo, sob o guarda-sol de s?da que a ama baloi?a, sorrindo de os v?r t?o s?rios, os dois noivos pequeninos. Mas uma paix?o d'inferior que se deslumbra pelos filhos da ra?a cujas perfei??es n?o p?de igualar, paix?o com haustos de posse, indeclinavelmente physica, prematura, perversa, e cheia d'estonteamentos j? torpidos. Com a idade, aquella ancia de Luiza n?o se corrigia nem purificava, sen?o ia crescendo, accentuando, colorindo, na medida da sua adolescencia cada vez mais radiosa em seduc??es.

Nas f?rias, mal se sonhava o dia em que Ruy devia chegar, j? ella n?o parava quieta em parte alguma. E eil-a passando os dias nos aposentos do menino, revolvendo alcatifas, mudando o logar do leito, perturbando a ordem dos quadros, a disposi??o dos mobilamentos, agrupando plantas, pelo que sabia das predilec??es de seu amo--pondo stores e biombos em todos os portaes por onde francamente entrassem a luz e o ar. Na casa, os creados sorriam, como quem sabe de tudo--gallinha canta... E os ditinhos pullulavam. Mas um que era j? ru?o, muito gordo, quasi sacerdotal pela rigidez da compostura, costumava deter-se ? porta dos quartos, tossindo devagarinho, a v?l-a trabalhar.

--? o Ezequiel menina Luiza.

Ella gostava d'esse, que a defendia sempre das animadvers?es da creadagem, e por toda a parte a cercava de deferencias tocantes. Mesmo, das suas palavras paternas, ruminadas n'um fundo de reflex?o um poucochinho canalha, vinha-lhe uma sorte de lisongeira coragem. Ezequiel era o unico que parecia n?o p?r em duvida a ascendencia de Luiza sobre a outra creadagem. Emtanto elle ?s vezes punha-se a esquadrinhal-a, na sua bonhomia de velho, deixando cahir palavras descuidosas aqui e al?m, para a fazer dar ? lingua, e espa?ando reticencias de proposito, no sitio onde a rapariga, simploriamente, logo ia prender revela??es.

--Muitos parabens, menina Luiza. Faltam s? quatro dias.


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